As Martechs estão criando complexidade para vender facilidade?
Humanos e tecnologia

As Martechs estão criando complexidade para vender facilidade?

Todos os anos surgem centenas de ferramentas de tecnologia para marketing, porém marqueteiros de todos os tamanhos de empresa seguem reclamando que está cada vez mais difícil trabalhar com tanta evolução.

O mundo da tecnologia termina o primeiro semestre deste ano com mais um mapa das soluções de Martech. Conhecido como “Martech Landscape”, esse trabalho busca resumir em uma única página todas as soluções disponíveis no mercado. Na imagem de maio de 2022, foram mapeadas quase dez mil empresas. São tantas, que nem com uma lupa é possível ver seus logotipos. Para se ter uma ideia da evolução, quando o mapa começou, em 2011, eram apenas 150 empresas.

Existe mercado para tanta solução? É claro que há. Isso é explicado pelos resultados dessas empresas (muitas nas bolsas de valores pelo mundo), nas aquisições entre elas, nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento e, é claro, no feedback dos marqueteiros que devem às ferramentas seus expressivos resultados.

A boa conexão entre essas ferramentas costuma ser chamada de arquitetura de Martech ou “Martech Stack”. Quando tudo funciona bem, os resultados são incríveis. Podemos citar os estudos da McKinsey de “Personalização em Escala” de 2019, que relata casos em que a receita das empresas chegam a subir até 15% com essas iniciativas.

A obsessão pelo tema em alguns casos é tão grande, que existe um prêmio dado pelo site internacional Chiefmartec com as melhores ilustrações de Martech Stack das empresas.

Outro estudo, do BCG, é chamado de “Responsible Marketing” e foi publicado em 2020. Lá são apontados exemplos em que a receita cresce até 20%. Em outra análise, dessa vez da Bain & Company, de 2002, “Rise Above the Marketing Technology Quagmire”, em portugês “Eleve-se acima do atoleiro da tecnologia de marketing”, é estimado um retorno sobre o investimento (ROI) de 27%.

Outro tema que a Bain dá destaque é o da criação de novas formas de gerar receita.

Um exemplo que está em alta recentemente é o “Retail Media Network”: iniciativas de venda de espaço publicitário em plataformas com alto volume de acessos. Exemplos: banners oferecendo Johnnie Walker dentro do aplicativo do iFood ou banners de Bepantol no app da Drogasil.

Nos exemplos acima, iFood e Drogasil não são na sua essência empresas de mídia como os grandes portais de notícias, mas estão vendendo espaço publicitário como se fossem. Quando estes varejistas criam plataformas de anúncios em seus sites, temos um RMN.

Porém, também há ceticismo na aquisição de tecnologia: o mesmo estudo da Bain, acima, aponta que não é fácil criar tal arquitetura de soluções quando diz que “as tecnologias de marketing geralmente se acumulam aleatoriamente ao longo do tempo, deixando os CMOs com um emaranhado de duplicações”.

De forma contundente, o Gartner prevê que “até 2025, 80% dos profissionais de marketing que investiram em personalização vão abandonar seus esforços devido à falta de ROI (retorno sobre o investimento), os riscos de gestão de dados dos clientes ou ambos”.

Embalados pelo desejo de fazer “a oferta certa no canal certo para a pessoa certa”, muitas empresas terminam por investir e depois se frustrar. O problema estaria nas ferramentas?

O que divide as empresas entre o sucesso da McKinsey e a frustração do Gartner?

A resposta começa na simplicidade dos casos de uso.

A definição de caso de uso é simples: “um caso de uso define uma sequência de ações executadas pelo sistema, que geram um resultado de valor observável para um ator em particular”.

Por exemplo: por meio de algoritmos de propensão, selecionar pessoas inclinadas a comprar determinado produto e enviar e-mails para essas pessoas, vendendo mais com menor custo de marketing. Entre as ações, é possível observar os canais (e-mails), as tarefas do sistema e a expectativa do profissional de marketing.

No levantamento da Bain & Company, de 2021, após as empresas serem classificadas como “líderes” ou “retardatárias”, foi constatada que a diferença mais marcante entre os dois grupos estava no número de casos de uso de Martech. A maioria das retardatárias tem menos de cinco casos de uso de Martech amplamente adotados, enquanto as líderes têm dezenas.

Apesar de parecer óbvio, é frequente ouvir dos vendedores das Martechs que seus clientes pedem orçamentos (e compram ferramentas) sem ter clareza dos próprios casos de uso.

Para a tristeza geral, esta é a situação da maioria das empresas.

Passo a passo:

O sucesso não está na criação de dificuldades, mas sim na simplificação dos desafios de negócio em casos de uso que devem ser coerentes com a arquitetura de dados de cada empresa, usando apenas as ferramentas relevantes para este fim.

No diagrama a seguir (Figura 1), uma boa prática de Martech começa pelo entendimento dos objetivos da empresa e suas unidades de negócio, criando casos de uso, passando pela arquitetura de dados, só então cruzando com as ferramentas possíveis de adoção.

Figura 1 – casos de uso, arquitetura de dados e ferramentas de marketing em constante validação.

O caso de uso de personalização de sites de acordo com a propensão à compra para cada visitante, por exemplo, deve obrigatoriamente ser construído em cima de um fluxo de dados (arquitetura) que nasce dos cadastros, passa pelos dados de navegação, é manipulado em ferramentas de IA até ser finalmente apresentado aos visitantes pela união de plataformas de CMS, CDP e Teste A/B. Assim, todos os três círculos são percorridos.

Acontece que apenas este caso de uso não justifica comprar tantas ferramentas.

Essa decisão depende da expectativa de retorno financeiro deste caso de uso e, é claro, do custo das ferramentas e de suas implementações. Quanto mais casos de uso com as mesmas ferramentas, mais o custo destas é diluído por toda a empresa.

Por isso, é essencial a diversidade dos casos de uso. Para chegar a isso, é preciso entender o que as áreas de negócio precisam. Em outras palavras, aquele departamento que compra a ferramenta precisa falar com todos os outros para saber como eles vão usá-la. Esforços podem assim ser reaproveitados e custos diluídos.

Só com a expansão dos casos de uso, uma empresa pode usar a mesma ferramenta para, por exemplo, não mostrar banners para quem já comprou seu produto (caso de uso supressão de compra de mídia) e também para ajudar a enriquecer a qualidade do seu inventário, melhorando a venda de publicidade (caso de uso retail media network).

Próximo passo:

Seguindo em sentido horário, é na intersecção entre os círculos que mora a beleza do modelo (Figura 2).

Figura 2 – A intersecção entre os círculos cria subsídios para a tomada de decisão.
  • Entre os casos de uso e a arquitetura atual de dados da empresa estão os GAPs. Eles podem ser desde a automação de um processo repetitivo e custoso até o envio de mensagens ou compra de mídia. Para executar a supressão de compra de mídia, é importante saber onde os dados transacionais vivem na arquitetura e como chegarão até a inteligência de supressão.
  • Entre arquitetura e ferramentas moram os laboratórios. Os Labs podem ser desde provas de conceito até testes feitos em sistemas separados do destino final. Um estudo sobre propensão, por exemplo, pode ser feito “off-line” até ter a certeza de que há dados e correlações possíveis antes de se caminhar para uma ferramenta que os utilizará.
  • Entre ferramentas e casos de uso, moram as expectativas de retorno. Aqui ilustradas por ROI (Retorno sobre o Investimento em inglês), eles não precisam ser “ciência de foguete”. Boas estimativas calculadas em estudos de caso das ferramentas em outros clientes são suficientes.
  • Após percorrer todos esses passos, um Briefing Técnico é importante. Ele valida os requisitos da contratação, descreve os casos de uso de forma resumida, e a partir da matriz entre esforço e resultado, acaba ajudando a gestão da empresa na priorização e compra de ferramentas.

Muitas pessoas quando veem tudo isso pensam que o Marketing está ficando muito técnico e pouco publicitário. É verdade.

Um exemplo de uma empresa que viu isso em 2015 é a agência Raccoon.

Em 2013, dois funcionários do Google saíram de lá para montar sua própria agência de (na época) performance de mídia digital. Desde o início, eles acreditavam que “o marketing de performance tinha se transformado em prática para pessoas de Exatas” e decidiram fugir dos grandes centros lotados de publicitários para abrir sua empresa em São Carlos, próximo a faculdades de Exatas: engenharia, estatística, física, entre outros.

André, um dos fundadores, disse: “Por ser um marketing mais parecido com operar bolsa de valores do que de criação, achamos melhor encontrar pessoas familiarizadas com números e treiná-las em marketing”.

Hoje, a empresa tem 1.400 funcionários e foi comprada pela multinacional S4 Capital. Seus sócios, André Palis e Tulio Kehdi, continuam firmes na ideia de que as “pessoas de Exatas” fazem a diferença no mundo do marketing e da comunicação.

É por tudo isso que, quando algum publicitário ou marqueteiro falar que “precisa saber o que as ferramentas de Martech podem oferecer”, desconfie. A falta de visão técnica e matemática dificultará a interpretação que essas pessoas terão das oportunidades adiante.

O melhor é chamar pessoas técnicas, “de Exatas”, guiadas pelo objetivo da simplificação, que perguntarão “o que o marketing e as áreas de negócio querem?”. Serão os técnicos e não os generalistas que melhor vão ajudar as empresas nessa cruzada do marketing com tantas ferramentas e tecnologia abundante.

O marketing mudou, o marketing é de Exatas, o marketing é tech. Isso é Martech.


Este post foi produzido por Fernando Teixeira, Senior Vice President of Data da Media.Monks e colunista do MIT Technology Review do Brasil.

Último vídeo

Nossos tópicos