Muitos artistas se preocupam com a invasão da inteligência artificial na criação artística. No entanto, Sougwen Chung, uma artista não binária de ascendência sino-canadense, vê a IA como uma oportunidade para os artistas explorarem a incerteza e desafiarem as pessoas a pensarem sobre tecnologia e criatividade de maneiras inesperadas.
As exposições de Chung são impulsionadas pela tecnologia; elas também são ao vivo e cinéticas, com as obras emergindo em tempo real. O público observa enquanto a artista trabalha ao lado ou cercada por um ou mais robôs, com humanos e máquinas desenhando simultaneamente. Essas obras estão na vanguarda do que significa criar arte em uma era de inteligência artificial e robótica em rápida aceleração. “Eu questiono constantemente a ideia de tecnologia como um mero instrumento utilitário”, diz Chung.
“[Chung] vem do desenho e então começa a trabalhar com IA, mas não da forma que vimos neste movimento de IA generativa, onde tudo se resume a gerar imagens na tela”, diz Sofian Audry, artista e acadêmico da Universidade de Quebec em Montreal, que estuda as relações que os artistas estabelecem com as máquinas em seu trabalho. “Ela [está] realmente interessada na ideia de performance. Assim, transforma sua abordagem ao desenho em uma abordagem performática, na qual as coisas acontecem ao vivo.”
O público assiste enquanto Chung trabalha ao lado ou cercada por robôs, com humanos e máquinas desenhando simultaneamente.
A obra de arte, segundo Chung, não emerge apenas na peça finalizada, mas em todo o processo caótico intermediário. “Meu objetivo”, explica, “não é substituir os métodos tradicionais, mas aprofundá-los e expandi-los, permitindo que a arte surja de um encontro genuíno entre perspectivas humanas e maquínicas.” Um desses encontros aconteceu em janeiro de 2025, no Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça. No evento, Chung apresentou Spectral, uma instalação artística performática com pintura feita por braços robóticos cujos movimentos são guiados por uma IA que combina dados de trabalhos anteriores com entradas em tempo real de um eletroencefalograma.
“Meu estado alfa guia o comportamento do robô, traduzindo uma experiência interna em gestos espaciais tangíveis”, diz Chung, referindo-se à atividade cerebral associada a um estado de relaxamento. Obras como Spectral, segundo Chung, mostram como a IA pode transcender o papel ferramenta artística ou uma ameaça à arte, tornando-se uma colaboradora.
Através da IA, diz Chung, os robôs podem atuar de maneiras inesperadas. Criar arte em tempo real permite que essas surpresas se tornem parte do processo: “A performance ao vivo é um componente crucial do meu trabalho. Ela cria uma relação em tempo real entre mim, a máquina e o público, permitindo que todos testemunhem as imprevisibilidades e possibilidades criativas do sistema.”
Chung cresceu no Canadá, filha de imigrantes de Hong Kong. Seu pai era cantor de ópera treinado. Sua mãe, programadora de computadores. Durante a infância, Chung tocou vários instrumentos musicais e sua família foi uma das primeiras da vizinhança a ter um computador. “Fui criada falando tanto a linguagem da música quanto a linguagem do código”, diz. A internet oferecia possibilidades ilimitadas: “Fiquei cativada pelo que via como uma fronteira nascente e otimista.”
Suas primeiras obras, na maioria desenhos a tinta sobre papel, tendiam a ser explosões abstratas expansivas de forma e linha. Entretanto, com o tempo, Chung começou a abraçar a performance. Em 2015, aos 29 anos, após estudar arte visual e interativa na faculdade e na pós-graduação, juntou-se ao MIT Media Lab. “A ideia de que a forma robótica poderia ser qualquer coisa—uma interação escultórica incorporada – me inspirou”, diz.
Chung encontrou planos de código aberto na internet e montou um braço robótico capaz de segurar seu próprio lápis ou pincel. Adicionou uma câmera aérea e um software de visão computacional que analisava o vídeo de Chung desenhando e indicava ao braço onde traçar as marcas para copiar seu trabalho. O robô foi batizado de Drawing Operations Unit: Generation 1, ou DOUG 1.
O objetivo era a imitação: conforme a artista desenhava, o braço copiava. Mas não foi assim que aconteceu. O braço fazia pequenos movimentos erráticos de forma imprevisível, criando esboços semelhantes aos de Chung—mas não idênticos. Esses “erros” passaram a fazer parte do processo criativo. “Uma das lições mais transformadoras que aprendi foi ‘poetizar o erro’”, diz Chung. “Essa mentalidade me deu um verdadeiro senso de resiliência, porque não tenho mais medo de falhar; confio que os próprios fracassos podem ser geradores.”
Para a próxima versão do robô, DOUG 2, lançado em 2017, Chung passou semanas treinando uma rede neural recorrente usando seus trabalhos anteriores como dados de treinamento. O robô resultante usava um braço mecânico para criar desenhos durante performances ao vivo. Em 2022, o Museu Victoria e Albert, em Londres, adquiriu o modelo DOUG 2 como parte de uma exposição escultural da obra de Chung.
Para uma terceira versão do DOUG, Chung montou um pequeno enxame de robôs pintores, cujos movimentos eram ditados por dados transmitidos ao estúdio a partir de câmeras de vigilância que rastreavam pessoas e carros nas ruas de Nova York. Os caminhos dos robôs sobre a tela seguiam o fluxo da cidade. O DOUG 4, a versão utilizada em Spectral, conecta-se a um headset de EEG, que transmite sinais elétricos do cérebro de Chung para os braços robóticos, que então geram desenhos com base nesses sinais. “A espacialidade da performance e a materialidade dos instrumentos—robótica, pintura, pincéis, escultura—têm um efeito de ancoragem para mim”, diz Chung.
Práticas artísticas como desenho, pintura, performance e escultura possuem sua própria linguagem criativa, acrescenta Chung. O mesmo ocorre com a tecnologia. “Acho fascinante [estudar] as histórias materiais de todos esses meios e [encontrar] meu lugar dentro e fora deles”, diz. “Parece estar contribuindo para algo que é meu e, ao mesmo tempo, muito maior do que eu.”
Em meio a isso, a ascensão de modelos de IA mais rápidos e sofisticados gerou uma onda de preocupação sobre a criatividade, especialmente porque a tecnologia generativa é treinada a partir de peças artísticas já existentes. “Acho que há um grande problema com algumas dessas tecnologias de IA generativa, e há uma ameaça significativa à criatividade”, diz Audry, que teme que as pessoas possam ser tentadas a se afastar da criação de novas formas de arte. “Se as pessoas têm seu trabalho roubado pelo sistema e não recebem nada em troca, por que iriam continuar criando?”
Chung concorda que os direitos e o trabalho dos artistas devem ser celebrados e protegidos, e não explorados para alimentar modelos generativos. No entanto, acredita firmemente que a IA pode potencializar a criação artística. “Treinar seus próprios modelos e explorar como seus próprios dados interagem no ciclo de feedback de um sistema de IA pode servir como um catalisador criativo para a produção artística”, afirma.
E Chung não está sozinho ao pensar que a tecnologia que ameaça a arte criativa também apresenta oportunidades extraordinárias. “Há uma expansão e mistura de disciplinas, e as pessoas estão rompendo barreiras e criando novas fusões”, diz Audry, que está “empolgado” com as abordagens adotadas por artistas como Chung. “O deep learning está impulsionando isso porque é muito poderoso, e a robótica também está contribuindo.”
Zihao Zhang, arquiteto do City College of New York, que estudou como humanos e máquinas influenciam as ações e comportamentos uns dos outros, vê o trabalho de Chung como uma nova narrativa sobre as interações entre humanos e máquinas. “Ainda estamos meio presos nessa ideia de IA versus humano, e qual dos dois é melhor”, diz ele. A IA é frequentemente retratada na mídia e no cinema como algo antagonista à humanidade — uma tecnologia que pode substituir trabalhadores ou, pior ainda, sair do controle e se tornar destrutiva. Ele acredita que Chung desafia essas ideias simplistas: “Não se trata mais de competição, mas de coprodução.”
Embora as preocupações das pessoas sejam válidas, diz Zhang, pois muitos desenvolvedores e grandes empresas de fato correm para criar tecnologias que podem substituir trabalhadores humanos, obras como as de Chung subvertem essa perspectiva de escolha entre um ou outro.
Chung acredita que a chamada “inteligência” artificial ainda é essencialmente humana. “Ela depende de dados humanos, moldados por vieses humanos, e impacta as experiências humanas em retorno”, afirma. “Essas tecnologias não surgem no vácuo — há um esforço humano real e a extração de materiais por trás delas. Para mim, a arte continua sendo um espaço para explorar e afirmar a agência humana.”