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Aplicativos e sistemas em rede facilitam e flexibilizam o tratamento de pessoas com doenças raras. Como um canal que aproxima especialistas de pacientes, essas tecnologias permitem o acompanhamento multidisciplinar à distância, mas não substituem consultas médicas periódicas.
Estimativas apontam para a existência de 7 mil tipos de enfermidades em todo mundo, a maioria delas genética, como a atrofia muscular espinhal (AME) e a síndrome da quilomicronemia familiar (SQF). Já existem medicamentos disponíveis para o tratamento dessas duas doenças, mas o apoio multidisciplinar é fundamental para que os pacientes tenham melhores desfechos clínicos.
Lançado no primeiro semestre de 2023, o Lipical Nutrição SQF é uma das ferramentas que apoia pacientes com síndrome da quilomicronemia familiar, doença que causa a elevação de triglicerídeos no sangue e provoca crises agudas de pancreatite, entre outros sintomas.
O app gratuito calcula a ingestão de macronutrientes fracionados ao longo do dia e avalia o consumo de gorduras a cada refeição. Para quem tem dificuldades para diversificar o cardápio, também é possível encontrar alternativas a alimentos gordurosos e sugestões de preparo.
Como pessoas com SQF podem ingerir até 20 gramas de gordura por dia, seguir uma alimentação restrita em gorduras é fundamental para controlar a doença e para ter uma melhor qualidade de vida.
“Normalmente, nós consumimos em torno de 30% a 35% das calorias em forma de gorduras. Para esses pacientes, o recomendado é no máximo 10%”, compara Ana Maria Pita Lottenberg, nutricionista do laboratório de Lípides do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP), que participou do desenvolvimento da solução.
Acompanhamento interdisciplinar
Ana Maria afirma que com o smartphone em mãos os pacientes não precisam mais consultar tabelas de calorias para calcular a quantidade de gordura dos alimentos. “O acompanhamento médico e nutricional é fundamental porque existem medicamentos indicados para o tratamento da doença e dietas nutricionais adequadas para cada fase da vida”, explica.
Maria Cristina Izar, professora adjunta e livre docente de cardiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lembra que, como a SQF é uma doença genética, os primeiros sintomas aparecem já na infância, embora o diagnóstico seja demorado. “A tecnologia deve ser parceira dos pais nessa doença que deixa as crianças reféns de uma alimentação muito restrita, afinal nós estamos na era digital”, avalia a médica.
Segundo Maria Cristina, que foi presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), crianças com síndrome da quilomicronemia familiar podem ter carência das vitaminas microssolúveis, como as vitaminas A, B, E e K, uma vez que elas são absorvidas com a gordura.
“Esperamos que, com o avanço da tecnologia, possamos melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Falamos muito sobre a sobrevida, mas sobrevivência com qualidade de vida é outra coisa”, afirma.
Diagnóstico precoce
Obter o diagnóstico correto é dos principais desafios de quem possui uma doença rara. Na amiloidose hereditária por transtirretina, conhecida pela sigla hATTR, a assertividade é fundamental para combater os sintomas da doença.
Genética e de rápida progressão, a amiloidose pode se manifestar em diversas regiões do corpo, principalmente nos nervos periféricos e no coração, entre homens e mulheres de 30 a 50 anos. Por esse motivo, os principais sintomas da hATTS são arritmia cardíaca, miocardipatia, perda da sensibilidade no corpo, dor e fraqueza muscular. Também há outros sintomas, como disfunção gastrointestinal, manifestações oculares e comprometimento da função renal.
De acordo com a Associação Brasileira de Amiloidose Hereditária Associada à Transtirretina (ABPAR), filhos de quem tem hATTS nascem com 50% de chance de possuir o gene da doença e devem fazer exames genéticos para confirmar o diagnóstico.
Para auxiliar a identificação e o tratamento da doença entre grupos familiares, o aplicativo gratuito Family Tree foi lançado em 2022 no Brasil. Como uma árvore genealógica digital, a ferramenta identifica possíveis pacientes com hATTS entre as famílias, permite a coleta de informações sobre a história clínica da pessoa e gera diferentes estatísticas remotamente — fundamentais para o diagnóstico preciso e precoce da doença. O aplicativo foi lançado primeiro na Argentina e também está disponível no México.
Monitoramento respiratório
A fisioterapeuta neurofuncional Renalli Alves, do Hospital Otávio de Freitas, em Recife (PE), acompanha a função respiratória de seus pacientes com atrofia muscular espinhal onde quer que eles estejam. Com um aparelho de fisioterapia respiratória conectado à internet e distribuído gratuitamente pelo governo aos pacientes, ela consegue verificar a aderência ao tratamento e o desenvolvimento motor com mais assertividade por telemedicina ou em uma consulta presencial.
A AME é uma doença genética rara, progressiva e sem cura que afeta as células nervosas da medula espinhal responsáveis por controlar os músculos e outras células presentes no corpo humano. Por causa da fraqueza muscular, crianças com atrofia tipo 1 e 2 têm a respiração comprometida. Calcula-se que haja mais de 1.452 pessoas diagnosticadas com a doença rara no país, segundo levantamento do Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal (Iname).
Há cinco tipos de AME, definidos de acordo com a idade de início dos sintomas e o maior marco motor alcançado, do 0 ao 4. No tipo 0, os sintomas aparecem ainda na gestão, com baixa movimentação fetal. O tipo 4, por sua vez, costuma ser diagnosticado na idade adulta e não leva à perda da capacidade motora.
“Com o aplicativo, colho os dados dos pacientes e analiso como eles estão respirando. Se alguma criança não estiver bem, consigo ajustar a pressão da ventilação a distância”, explica a fisioterapeuta, que atende mais de 200 pessoas com a sua equipe.
Com a flexibilidade oferecida pelo sistema, pacientes de regiões mais distantes de Recife — que antes não conseguiam fazer a fisioterapia respiratória por dificuldades financeiras e de locomoção — passaram a aderir ao tratamento. O trabalho dos fisioterapeutas também foi otimizado. “Antes, eles tinham que ir ao consultório semanalmente. Agora, há pessoas que vão duas vezes por ano para reavaliação”, relata a profissional.