A tecnologia veio para ficar no futebol brasileiro, mas estamos preparados para ela?
Humanos e tecnologia

A tecnologia veio para ficar no futebol brasileiro, mas estamos preparados para ela?

Do VAR às redes sociais, é importante ficar de olho e se preparar. E as palavras principais para isso são educação e adaptação.

Quem acompanha o futebol já percebeu: a tecnologia chegou, entrou no campo e não vai mais sair. Apesar das evidências de que, em comparação com os outros esportes, este é mais conservador, mais lento em relação às mudanças, a gente sabe que está seguindo por um caminho sem volta. A tecnologia veio para ficar e, a médio prazo, vai trazer ainda mais mudanças para o futebol. Mas isso não quer dizer que estejamos totalmente preparados para ela. 

É preciso, antes de mais nada, entender os caminhos que estão sendo abertos. Quando se entra em um negócio novo, é preciso estudar o mercado, saber onde está entrando, o que pode ser feito para se destacar. Isso, no entanto, não tem acontecido. Não que a tecnologia seja um problema, mas clubes, árbitros e jogadores precisam se preparar para o que virá.  

As mídias sociais, por exemplo, mudaram tudo. A arquibancada aumentou. Em vez de 50 mil torcedores, tem hoje 10 milhões e uma força descomunal. Os estádios encolheram, e o estádio virtual agora está do tamanho do mundo. Mesmo sem generalizar, dá para dizer que muitas decisões têm sido tomadas a partir da pressão que vem dessas plataformas.  

Há quem ainda diga que isso é uma bobagem, embora estejam totalmente fora do contexto. Não que todos tenham que estar em todas as mídias sociais, mas elas já mostraram que têm uma influência muito grande em todas as áreas, em todos os setores. E no futebol não seria diferente. Veja a força da hashtag #voltaJJ, que viralizou no Twitter depois que o técnico português Jorge Jesus revelou, em jantar realizado na casa de Kléber Leite, ex-presidente do Flamengo, que tem o desejo de retornar ao clube. Já vimos também craques serem contratados devido aos apelos que vieram das mídias sociais. E essas campanhas que nascem espontaneamente, são como um martelo batendo em um iceberg. Começam pequenas, mas acabam fazendo tudo desmoronar.   

E não para por aí. As mídias sociais mudaram muito a relação entre a imprensa, os clubes e os jogadores. A imprensa esportiva hoje tem como concorrentes o próprio jogador, que tem seus próprios canais e fala para o seu público; o clube, que tem a suas próprias redes, o seu próprio veículo de comunicação; e até empresários, já que muitos querem ganhar projeção divulgando o que acontece com seus contratados. Muitos jogadores ainda não entenderam o que estes canais podem representar em termos de oportunidades e ameaças. E não perceberam que publicar algo no Twitter é a mesma coisa falar isso em um microfone.  

Se beber não digite 

Ao contrário de antes, hoje os atletas precisam ter um staff: assessoria de imprensa, advogado, personal trainer, personal stylist. Mas o que é essencial é ter alguém que, além de gerenciar suas carreiras, mostre como lidar com essas novas formas de comunicação. Uma fala ou um gesto podem ter grandes consequências — boas e más. Ano passado, por exemplo, o Cristiano Ronaldo trocou uma garrafa de Coca-Cola, patrocinadora da seleção portuguesa, por uma garrafa de água durante uma coletiva de imprensa. Na mesma hora, as ações da empresa despencaram. A perda foi de US$ 4 bilhões em valor de mercado. 

Por isso, os jogadores precisam estar bem orientados. Se está na balada – e ele tem todo o direito de estar ali, dançando e se divertindo – para que vai fazer uma selfie? Ele precisa saber que isso pode lhe render uma enorme dor de cabeça. O vídeo ou a foto vai se espalhar e, se no sábado ele perder um pênalti, os dedos apontados serão inevitáveis, em um movimento que acaba afastando os patrocinadores. 

Tudo isso consequência da tecnologia que possibilitou as mídias sociais, e da velocidade com que a informação hoje é divulgada. Ele precisa entender que estes canais não são uma válvula de escape. E para isso é preciso educar.   

 Não dá para ter VAR 

Mas não é só. Levada para dentro do campo sem que clubes, jogadores e arbitragem estejam preparados, a tecnologia tem sido pivô de polêmicas. Falo do VAR, árbitro assistente de vídeo (VAR, do inglês Video Assistant Referee) ou vídeo árbitro. Para quem não está familiarizado, é a tecnologia que permite a análise das decisões tomadas pelo árbitro principal com a utilização de imagens de vídeo e de uns auscultadores para a comunicação. 

O futebol tem regras interpretativas, e muitos lances precisam da interpretação do árbitro. Em alguns casos, o VAR não só não resolve como pode atrapalhar. No futebol, a tecnologia será útil na análise de lances de precisão, tipo: foi gol ou não; foi falta dentro da área ou não, impedimento e só? O que acontece hoje é que há uma falta de critérios no uso do vídeo árbitro que só aumenta as dúvidas e alimenta as polêmicas.   

Por isso digo que, aqui no Brasil, ainda não estamos preparados para a tecnologia. Especialmente no caso do VAR. Ela é operada por humanos e eles precisam de treinamento, de educação.  Temos uma arbitragem há muitos anos horrorosa, péssima. E a tecnologia, por si só, não vai resolver esse problema.  

Toda mudança em qualquer aspecto da vida gera um impacto e exige tempo para se habituar. É preciso se acostumar. No caso do VAR, não houve preparo, não houve ensinamento, não houve conversa entre os clubes e a CBF, tampouco com os jogadores. Teria sido imprescindível chamar a atenção para o fato de que, com a mudança, é preciso conscientização. Isso sem falar em uma melhor preparação dos árbitros, que são quem interagem com a tecnologia. A anedota diz que junto com os jogadores há três caras ruins de bola dentro do campo: o árbitro e os bandeirinhas. Agora são sete: três dentro do campo e quatro na sala do VAR. 

Tecnologia mal usada 

O problema, porém, não está na tecnologia. Em primeiro lugar, é preciso preparar o terreno para que ela seja bem utilizada. Nesse caso, ajustar as regras para que não sejam tão interpretativas. E mais que isso. É preciso preparar as pessoas que vão lidar com a tecnologia: árbitros, técnicos, jogadores. Você não dá um avião para um piloto que ainda não sabe pilotar. Temos que treinar, fazer testes, workshops.  

A tecnologia mal usada no futebol brasileiro ela prejudica também o andamento do jogo. Quer um exemplo? Pense em um clássico em que um dos times está ganhando por 1 a 0, mas está na defensiva. O oponente fazendo pressão e, VAR, o jogo para por 6, 7 minutos. Isso é bom para quem? Para o time que está no sufoco. Você não pode, numa partida de 45 minutos, ficar parado por seis minutos. Quando ela recomeça, o jogo é outro.  

Futebol como entretenimento 

Futebol é entretenimento. Não pode ser tratado como matéria de faculdade ou como horário eleitoral gratuito. É algo para as pessoas se divertirem. A tecnologia é bem-vinda, desde que se instrua e eduque quem vai lidar com ela. Ou a diversão acaba. A polêmica vai virar a polêmica da polêmica. 

Essa avaliação cabe em outras aplicações da tecnologia no futebol. A avaliação dos jogos tem sido feita por tempo de posse de bola, mesmo que o objetivo do futebol ainda sejam os gols. Estão substituindo os olheiros por planilhas e números. Tudo parece ter virado algoritmo. O futebol não é um esporte frio. Seu combustível é a emoção. E aí os clubes começam a usar números, estatísticas, tecnologias, e vão deixando o futebol cada vez mais engessado. 

A mudança vai chegar, não há opção. Não adianta se alienar. Mas é importante ficar de olho e se preparar. E as palavras principais para isso são educação e adaptação. 

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