Usamos a tecnologia ou ela nos usa? Nossos gadgets melhoram nossas vidas ou apenas nos tornam fracos, preguiçosos e burros? Essas são perguntas antigas — talvez mais antigas do que imagina. Você provavelmente está familiarizado com a maneira como adultos alarmados ao longo das décadas têm criticado o potencial dos mecanismos de busca, dos videogames, da televisão e do rádio para deteriorar a mente — mas esses são apenas os exemplos recentes.
No início do século passado, especialistas argumentavam que o telefone cortava a necessidade de contato pessoal e levaria ao isolamento social. No século XIX, alguns alertaram que a bicicleta roubaria a feminilidade das mulheres e resultaria em um visual desgrenhado conhecido como “cara de bicicleta”. O romance Frankenstein, de Mary Shelley, de 1818, foi um alerta contra o uso da tecnologia para fingir ser Deus e como ela poderia confundir os limites entre o que é humano e o que não é.
Ou, voltando ainda mais longe: no Fedro de Platão, de cerca de 370 a.C., Sócrates sugere que a escrita poderia ser um prejuízo para a memória humana — o argumento era que, se você escreveu, não precisa mais se lembrar do conteúdo.
Sempre recebemos as novas tecnologias com um misto de fascínio e medo, diz Margaret O’Mara, historiadora da Universidade de Washington que se concentra na intersecção entre tecnologia e política americana. “As pessoas pensam: ‘nossa, isso vai mudar tudo positivamente'”, diz. E ao mesmo tempo: ‘é assustador, isso vai nos corromper ou nos mudar de alguma forma negativa’.”
E aí acontece algo interessante: “a gente se acostuma”, diz. A novidade se desgasta e vira hábito.”
Um fato curioso
Aqui na MIT Technology Review, escritores têm lidado com os efeitos, reais ou imaginários, da tecnologia na mente humana por quase cem anos. Em nossa edição de março de 1931, em seu ensaio “Machine-Made Minds”, o autor John Bakeless escreveu que era hora de perguntar “até que ponto o controle da máquina sobre nós é um perigo que exige resistência vigorosa; e até onde é uma coisa boa, à qual podemos ceder de bom grado.”
Os avanços tecnológicos que o assustaram podem parecer, para nós, de baixo risco: transmissores de rádio, antenas ou mesmo impressoras rotativas.
Mas Bakeless, que havia publicado livros sobre Lewis e Clark e outros exploradores americanos, queria saber não apenas o que a máquina estava fazendo com a sociedade, mas o que ela estava fazendo com as pessoas individualmente. “É um fato curioso”, escreveu ele, “que os escritores que lidaram com os efeitos sociais, econômicos e políticos da máquina negligenciaram o efeito mais importante de todos: sua profunda influência na mente humana.”
Em particular, ele estava preocupado com a forma como a tecnologia estava sendo usada pela mídia para controlar o que as pessoas pensavam e falavam.
“Considere o equipamento mental do homem moderno médio”, escreveu. “A maior parte da matéria-prima de seu pensamento entra em sua mente por meio de uma máquina de algum tipo… O jornalista do século XX pode coletar, imprimir e distribuir suas notícias com uma velocidade e integridade totalmente devidas a uma dúzia ou mais de máquinas complexas… Pela primeira vez, graças às máquinas, uma coisa como uma opinião pública mundial está se tornando possível.”
Bakeless não viu isso como um desenvolvimento especialmente positivo. ” Máquinas são tão caras que a imprensa mecanizada é necessariamente controlada por alguns homens muito ricos que, com as melhores intenções do mundo, ainda estão sujeitos às limitações humanas e aos preconceitos de sua espécie… Hoje, o homem ou o governo que controla duas máquinas— sem fio e a cabo—pode controlar as ideias e paixões de um continente. ”
Mantenha-se afastado
Cinquenta anos depois, o debate mudou mais na direção dos chips de silício. Em nossa edição de outubro de 1980, o professor de engenharia Thomas B. Sheridan, em “Computer Control and Human Alienation”, perguntou: “como podemos garantir que a futura sociedade informatizada oferecerá humanidade e dignidade?” Alguns anos depois, em nossa edição de agosto/setembro de 1987, o escritor David Lyon sentiu que tinha a resposta — não podíamos e não iríamos. Em “Hey You! Make Way for My Technology”, ele escreveu que aparelhos como a secretária eletrônica telefônica e a caixa de som apenas mantinham outros humanos traquinas a uma distância segura: “à medida que as máquinas multiplicam nossa capacidade de executar tarefas úteis, elas aumentam nossa aptidão para atitudes impensadas e egocêntricas. O comportamento civilizado baseia-se no princípio de um ser humano interagindo com outro, não um ser humano interagindo com uma extensão mecânica ou eletrônica de outra pessoa.”
Neste século, o assunto foi abordado por uma dupla de celebridades, o romancista Jonathan Franzen e o vocalista do Talking Heads, David Byrne. Em nossa edição de setembro/outubro de 2008, Franzen sugeriu que os telefones celulares haviam nos transformado em artistas performáticos.
Em “I Just Called to Say I Love You“, ele escreveu: “quando estou comprando meias na Gap e a mãe na fila atrás de mim grita ‘eu te amo!’ no seu telefone, não consigo deixar de pensar que algo está sendo encenado; encenado em excesso; encenado publicamente; imposto de forma desafiadora. Sim, muitas coisas pessoais são ditas em público ainda que não sejam realmente para serem ouvidas por todos; sim, as pessoas se empolgam. Mas a frase ‘eu te amo’ é muito importante e carregada de significado e seu uso como uma despedida é consciente demais para eu acreditar que estou ouvindo isso acidentalmente”.
Em “Eliminating the Human“, de nossa edição de setembro/outubro de 2017, Byrne observou que os avanços na economia digital serviram em grande parte para nos libertar de lidar com outras pessoas. Agora você pode “manter contato” com amigos sem nunca os ver; comprar livros sem interagir com um atendente da loja; fazer um curso online sem nunca conhecer o professor ou ter conhecimento dos outros alunos.
“Para nós, como sociedade, menos contato e interação — interação real — parece levar a menos tolerância e compreensão das diferenças, bem como a mais inveja e hostilidade”, escreveu Byrne. “Como tem sido evidente recentemente, as mídias sociais na verdade aumentam as divisões ao amplificarem os efeitos de eco (reforçarem as opiniões semelhantes às nossas) e nos permitir viver em bolhas cognitivas… Quando a interação se tornar algo estranho e desconhecido, então teremos mudado quem e o que somos como espécie.”
Males modernos
Isso não parou. No ano passado, nosso Will Douglas Heaven publicou um artigo sobre o ChatGPT que desmentiu a ideia de que a revolução da IA destruirá a capacidade das crianças de desenvolver habilidades de pensamento crítico.
Como O’Mara diz: “será que todos os medos relacionados a estes pânicos morais se concretizam? Não. Mudanças acontecem? Sim.” A maneira como lidamos com as novas tecnologias não mudou fundamentalmente, diz ela, o que mudou é que há mais com o que lidar. “É mais do mesmo”, diz. “Mas é mais. As tecnologias digitais permitiram que as coisas se transformassem em uma espécie de trem desgovernado com o qual o século 19 nunca teve que lidar.”
Talvez o problema não seja a tecnologia, talvez sejamos nós. Com base no que lemos nos romances do século 19, as pessoas não mudaram muito desde os primeiros dias da era industrial. Em qualquer romance de Dostoiévski é possível encontrar pessoas que anseiam por ser vistas como diferentes ou especiais, que se ofendem com qualquer ameaça à sua persona pública cuidadosamente construída, que se sentem deprimidas, incompreendidas e isoladas, que são suscetíveis à mentalidade da massa.
“A biologia do cérebro humano não mudou nos últimos 250 anos”, diz O’Mara. “Os mesmos neurônios ainda seguem no mesmo arranjo. Mas ele foi apresentado a todos esses novos estímulos… Sinto que vivo com sobrecarga de informações o tempo todo. Acho que todos nós observamos isso em nossas próprias vidas, como nossa atenção simplesmente anda de lado. Mas isso não significa que meu cérebro tenha mudado. Estamos apenas nos acostumando a consumir informações de uma maneira diferente.”
E se você acha que a tecnologia é intrusiva e inevitável agora, pode ser útil notar que Bakeless não se sentia diferente em 1931. Mesmo assim, muito antes de alguém ter ouvido falar de smartphone ou internet, ele sentiu que a tecnologia havia se tornado tão intrínseca à vida cotidiana que era como um tirano: “mesmo como déspota, a máquina é benevolente; e é afinal a nossa estupidez que permite que o ferro inanimado seja um déspota.”
Se quisermos criar a sociedade humana ideal — com tempo suficiente para música, arte, filosofia, investigação científica (“os belos brinquedos da mente”, como ele dizia) — ele concluiu que seria improvável conseguirmos isso sem a ajuda das máquinas. Era tarde demais, já havíamos nos acostumado demais com os novos brinquedos. Só precisávamos encontrar uma maneira de garantir que as máquinas nos servissem, e não o contrário. “Se quisermos construir uma grande civilização na América, se quisermos ganhar tempo livre para cultivar as melhores coisas da mente e do espírito, devemos colocar a máquina em seu devido lugar”, escreveu.
Ok, mas como, exatamente? Noventa e três anos depois e ainda estamos tentando descobrir essa parte.