O aumento da relevância estratégica da área de gestão de pessoas para o alcance de melhores resultados dos negócios e das organizações públicas e do terceiro setor é inquestionável, ainda que, nem todas as organizações estejam no mesmo nível de maturidade em relação ao uso das melhores práticas de recursos humanos e à eficácia na tomada de decisão. Existem vários outros fatores para esta diferença de nível de maturidade, mas este artigo aborda especificamente os aspectos da gestão baseada em evidências.
Gestão implica, necessariamente, tomada de decisão, gestão baseada em evidências, significa ter informações precisas, científicas, pesquisas, que permitam ao gestor uma tomada de decisão mais consciente e robusta e menos baseada em preferências pessoais ou modismos (cada vez mais presentes nas redes sociais), diminuindo a distância entre teoria e prática, cujo pressuposto básico é o exercício de pensamento crítico e analítico, das melhores evidências possíveis capturadas do contexto organizacional e mercadológico. Esta abordagem surge nas ciências médicas, utilizando informações confiáveis levantadas em relatos e exames, gerando redução da incerteza, com base em evidências científicas.
Existem decisões tomadas rotineiramente, mas também existem situações inesperadas, de maior ou menor complexidade para responder a um problema, a uma necessidade ou a um objetivo. Problemas, geralmente, apresentam diferentes graus de complexidade, demandando variados esforços para sua resolução (utilizando recursos tais como tecnologia, tempo, dinheiro e pessoas.
Gestão baseada em evidências pode ser definida como a tomada de decisão a partir do uso explícito e judicioso de diferentes fontes de informação: experiência profissional, evidências sobre o contexto local, avaliação crítica da melhor evidência científica disponível e as perspectivas de quem será afetado pela decisão. Dessa forma, é possível substituir decisões baseadas em preferências pessoais e experiências não-sistemáticas, por decisões baseadas nas melhores evidências disponíveis.
Principais fontes de evidências
Evidências para tomada de decisões podem vir de quatro fontes, pelo menos. A primeira são os resultados de pesquisas científicas, o que exige saber navegar nas bases de dados acadêmicas para encontrar estudos confiáveis a respeito do dilema que precisa ser resolvido. A segunda fonte é formada por informações levantadas dentro da própria organização, como dados financeiros e estatísticas que medem da satisfação de clientes ou empregados à devolução de produtos, além de pesquisas que avaliam diferentes percepções sobre determinado tema, como a cultura organizacional. A terceira fonte está na experiência profissional. Conhecimento específico é acumulado com o tempo para saber como lidar com diferentes situações. A quarta fonte são os valores e as preocupações das partes interessadas. A organização pode utilizar diferentes técnicas de pesquisa para entender o que pensam aqueles que serão afetados pelas decisões, o que ajudará a compreender quais serão suas reações e até a projetar o resultado das medidas. Essas fontes não são excludentes. Cruzar percepções das partes interessadas com a experiência de profissionais, os dados das organizações e as pesquisas científicas é uma forma de fazer uma sintonia fina, eliminar ruídos e ter melhor embasamento para as decisões. Mas nem sempre todas as fontes de evidência estão disponíveis ou compensam financeiramente o esforço. Nesse caso, vale sempre questionar a melhor evidência disponível para tomar determinada decisão.
Tomar decisões com base em crenças e intuição não é errado, só é mais arriscado, considerando que temos vieses inconscientes (a literatura sobre o tema já identificou mais de 150 tipos diferentes de vieses), ou seja, preconceitos, arquétipos, estereótipos ou pensamentos tendenciosos sobre determinado tema ou grupo social, que induzem a decisões tendenciosas e comportamentos prejudiciais, que podem ter impactos negativos para a organização.
Dificuldades na gestão da informação
Existem muitas dificuldades relacionadas à gestão da informação para fundamentar a tomada de decisão, as mais comuns encontradas são fluxos de informação inadequados e até mesmo o estresse e ansiedade diante de um vasto conteúdo informacional que não se consegue processar e colocar a serviço das decisões mais urgentes. Exatamente neste ponto evidencia-se a importância da tecnologia a serviço da ciência de dados contribuindo para a captura e sistematização das informações, tanto na medicina, onde originou o conceito, como em outras áreas do conhecimento humano, mais especificamente para o interesse deste artigo, na gestão de pessoas.
Dados da pesquisa McKinsey Analytics and Digital Quotient, com amostra de 164 empresas de todos setores, classifica as empresas em níveis de maturidade digital, baseados em quatro alavancas: 1) Modelos de negócio (novas formas de operar e novos modelos econômicos); 2) Conectividade (engajamento em tempo real); 3) Processos (foco na experiência do cliente, automação e agilidade) e 4) Analytics (melhor tomada de decisão e cultura de dados). O valor agregado por essas alavancas está associado a um conjunto de melhores práticas de gestão que abrangem quatro dimensões fundamentais: Estratégia, Capacidades, Organização e Cultura. Fazendo um recorte na pesquisa, para a alavanca Analytics, fica mais fácil perceber as dificuldades comentadas acima, quando analisado o quadro abaixo:
A divulgação do Índice de Maturidade Digital permitiu comparar o desempenho individual da maturidade digital de empresas pares e de líderes digitais no país e no mundo, além de sensibilizar as empresas sobre a importância da digitalização. Grande parte das empresas pesquisadas enfrenta desafios em todas as dimensões da transformação digital, aqui serão evidenciadas as seguintes práticas:
Dados e analytics capturados estruturadamente e integrados via infraestrutura robusta como por exemplo CDPs (Customer Data Platfoms), DMP (Data Management Platforms) e otimizadores integrados com data lake que fornecem uma visão 360º sobre o cliente e utilizados para apoiar a tomada de decisões em todas as áreas da empresa de maneira regular: apenas 12% das empresas executam bem a prática;
Mentalidade baseada em dados com o desenvolvimento de uma rigorosa cultura de tomada de decisões objetivas em nível estratégico, tático e operacional nas áreas de negócio: apenas 13% das empresas executam bem a prática.
Dentre vários dados levantados e conclusões, vale a pena destacar alguns pontos para o propósito desta reflexão:
– As empresas líderes em maturidade digital no Brasil alcançam uma taxa de crescimento do EBITA (lucro apurado antes da dedução de juros, impostos, depreciações e amortizações) até 3 vezes maior que as demais empresas, – globalmente, os líderes digitais cresceram 5 vezes mais que as demais empresas.
– Há grande disparidade de maturidade entre as empresas pesquisadas. A dimensão que apresentou diferença mais acentuada em relação aos líderes globais foi a de Capacidades, o que aponta para muitas oportunidades para as empresas que atuam com tecnologia e treinamento/desenvolvimento/ educação executiva, tais como, desenvolver novas capacidades na empresa: escolher um modelo de digitalização que permita amadurecer as capacidades digitais, estabelecer políticas, ferramentas e novas formas de trabalho com a meta de atingir uma organização onde o digital seja parte do negócio. Ter líderes da organização com conhecimento digital diretamente envolvidos na transformação apoiando a mentalidade de desafiar o status quo e de promover mudanças; — Construir amplamente as habilidades digitais na organização, preparando os colaboradores do futuro.
– As empresas que e pretendem alcançar níveis mais elevados de maturidade digital no contexto brasileiro precisam estar atentas a ações específicas, que estão diretamente relacionadas com as dimensões digitais investigadas no estudo, enfatizando aqui, a digitalização de ferramentas e processos de trabalho de uso diário para gerar consistência de dados e analytics. Ou seja, há a necessidade de desenvolver a cultura digital na organização para que essa se torne uma organização digitalmente integrada e madura.
– O sucesso da transformação digital de uma empresa será determinante para sua sobrevivência no mercado brasileiro e mundial hoje e no futuro.
Algumas evidências sobre a digitalização na gestão de pessoas
Olhando especificamente para a gestão de pessoas, pesquisas apontam que o setor de recursos humanos tem mostrado uma aptidão para a digitalização. Segundo a análise, a integração de softwares especializados nos processos de pagamentos e de controle de jornada de trabalho, já atende quase 80% das empresas só no Brasil. Outro vetor de crescimento e aderência ao digital são as avaliações de desempenho realizadas pelo RH, que em 38,2% dos casos são mediadas por um programa especializado. Tendo um acesso facilitado a essas informações por meio do software, a análise de dados é o processo de manipulação de informações com o objetivo de avaliar padrões para que, assim, os gestores tomem decisões mais acertadas. Na hora de tomar a decisão, o gestor analisa aquelas informações que possam ter alguma influência sobre a situação e escolher a melhor alternativa.
Para continuar refletindo…
Ficam algumas provocações para aprofundar o tema: o cuidado de diferenciar evidências de inferências; ter consciência destas inferências; quanto mais conhecer o funcionamento de nosso cérebro, maior chance de melhores decisões; lembrar que quem gera dados são humanos e Inteligência Artificial, entretanto, essa precisa ser parametrizada pelo humano também; que quanto mais habilidades digitais para o manejo destas ferramentas menos trabalho operacional e mais tempo para refletir antes de decidir! Fazer gestão é decidir! Não decidir já é uma decisão!
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Este post foi produzido por Denize Dutra, Doutora em Administração. Consultora, Coach, Professora Convidada da FGV e colunista do MIT Technology Review do Brasil.