O setor de agronegócio tem crescido muito nos últimos anos e o uso da tecnologia tem sido um fator determinante para esse cenário, principalmente porque os processos passaram a ser menos morosos e burocráticos, e mais disruptivos, assertivos e ágeis. Mas, antes de tudo, é preciso falar sobre a importância do agro no mercado como um todo.
De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o PIB agrícola do Brasil passou de US$ 122 bilhões para US$ 500 bilhões entre os anos de 2002 e 2022. Além disso, o país deve atingir 300 milhões de toneladas de grãos, ficando apenas atrás da China e dos Estados Unidos.
Ainda segundo esse levantamento, a safra de grãos possui hoje 310,6 bilhões de toneladas, um crescimento de 258%. Com relação ao número de hectares, a área de cultivo alcançou a marca de 76,7 milhões, enquanto há 20 anos esse número era de 43,7 milhões. Ou seja, dessa forma, a produção conseguiu aumentar em três vezes mais do que o espaço ocupado pelas lavouras. Isso só foi possível devido a implementação de novas tecnologias e alta produtividade.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o planeta terá 9,6 bilhões de pessoas consumindo aproximadamente 30 bilhões de refeições por dia até 2050. Portanto, a produção mundial de alimentos terá que crescer 70% para atender toda a demanda.
Esses números citados anteriormente mostram a força do setor de agronegócio e o quanto ele tem movimentado a economia brasileira e mundial. Devido a sua importância e a alta demanda, os profissionais que atuam nesse cenário sentiram a necessidade de implementar inovações em todas as áreas para trazer mais eficiência operacional. Foi então que o conceito de transformação digital passou a ser muito adotado e o termo agricultura 4.0 ganhou destaque entre as empresas do setor nos últimos anos. Ela consiste no uso de tecnologia e soluções para otimizar a produção e acelerar as práticas sustentáveis no campo.
Segundo o Grupo de Pesquisa e Tecnologias de Acesso a Dados (GPTAD), entre os pilares que permeiam a agricultura 4.0 destacam-se a gestão de dados do campo; produção otimizada por novas ferramentas e técnicas precisas; profissionalização do campo e sustentabilidade e eficiência produtiva cujo objetivo é modernizar, otimizar e simplificar. Mas, para que isso ocorra, é necessário usar tecnologias de ponta, analisar dados e automatizar.
Dentre as principais soluções e aplicações podemos destacar o uso de drones com sensores para fazer o mapeamento de toda a plantação; Inteligência Artificial para analisar cenários e levantar dados; aplicativos para monitorar o cultivo e a produtividade em tempo real e na palma da mão; uso da realidade aumentada e virtual para efetuar treinamentos à distância; digitalização de processos para realizar transações financeiras e relatórios analíticos; telemetria para coletar e compartilhar informações sobre veículos, equipamentos e máquinas de maneira remota, além de fazer o monitoramento e o envio de dados por meio de sinais de rádio para uma central; marketplace para comprar produtos, serviços e commodities; algoritmos para analisar dados estratégicos; GPS para realizar atividades de maneira eficiente e com maior exatidão; blockchain para rastrear os produtos agrícolas; dispositivos que conseguem monitorar as estações climatológicas e pluviômetros e identificar casos de chuva ou outras causas naturais.
Com essas aplicações é possível identificar diferentes benefícios, como gestão eficiente dos recursos naturais, melhor aproveitamento de matéria-prima; aumento da produtividade; monitoramento de doenças; menos desperdícios; diminuição dos custos; aplicação de soluções menos prejudiciais para solo e água, além de evitar a perda da produção por conta de imprevistos.
Visando essas vantagens, os profissionais da área já têm apostado nessas tecnologias. Uma pesquisa realizada pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) aponta que 84% dos agricultores brasileiros já usam ao menos uma solução digital para apoiar a produção agrícola no país. O mapeamento teve a participação de aproximadamente 750 especialistas da área, seja empresas, prestadores de serviço e produtores rurais.
Já segundo o relatório Visão 2030 da Embrapa, 61% dos produtores rurais utilizam smartphones para garantir a produtividade e ter um controle maior sobre as atividades exercidas e 96% deles usufruem do WhatsApp para melhorar a comunicação entre todas as partes envolvidas. Mas, como já comentamos acima, a tecnologia está sendo aplicada de diferentes maneiras e para várias funções.
Por isso que o número de agtechs (startups voltadas para o agronegócio) tem crescido de maneira significativa. A Pesquisa-Diagnóstico das Startups do Agronegócio realizada pela Embrapa, HomoLudens, SP Ventures e Sebrae mostra que 43% das agtechs alcançaram um faturamento superior a R$ 1 milhão no ano passado, e 11% desse total faturaram mais que R$ 5 milhões. Além disso, uma em cada três comercializa seus produtos e serviços para outros países.
Esses dados mostram que o setor tem um enorme potencial de crescimento e as grandes empresas estão de olho nesse mercado — por isso também que os números de fusões e aquisições estão aumentando ano após ano. Um estudo feito pela KPMG aponta que foram contabilizadas 117 transações feitas por companhias que atuam na cadeia de valor do agronegócio, enquanto em 2021 foram realizadas 57, e em 2020 foram 39.
Ainda segundo o Radar Agtech Brasil 2022, feito pela Embrapa, Homo Ludens Research & Consulting, SP Ventures (fundo especializado em agtechs) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), as agfoodtechs, ou seja, tecnologias aplicadas no mercado alimentício, receberam 85% a mais de investimento em comparação com 2020. Já com relação a concentração demográfica, as startups desse segmento estão localizadas em São Paulo, com 76%; seguido de Minas Gerais, com 14,7%; Rio de Janeiro, com 6,6%, e Espírito Santo, com 2,1%.
Outro insight interessante do estudo é sobre a representatividade feminina no agronegócio. Diferentemente do que muitos imaginam, as mulheres têm ganhado força e se destacado nesse universo, pois esse setor era considerado historicamente e majoritariamente dominado por homens, mas de uns anos para cá isso tem mudado drasticamente. O estudo apontou que os empreendimentos liderados por mulheres tiveram um aumento de 100% no índice de venture capital comparado com 2019.
Além disso, o mapeamento mostra que há 520 agtechs com pelo menos uma sócia no comando. Já as empresas com apenas uma sócia chegam a 407 (78%); enquanto àquelas com duas sócias chegam a 93 startups (18%); e com três sócias ou mais esse número chega a 20 (4% do total).
Mas, ainda que os números apontem perspectivas positivas e mostrem que as mulheres estão ganhando espaço, ainda há muito caminho a ser percorrido e muitos obstáculos a serem superados – ainda que estejamos, com certeza, na direção certa.
Além desses desafios, outro ponto de atenção dos empreendedores e gestores que atuam no agronegócio está na contratação dos profissionais de tecnologia para atender a alta demanda que o setor tem exigido. De acordo com a Agência Alemã de Cooperação Internacional, o segmento pretende gerar aproximadamente 178 mil vagas para os profissionais que têm conhecimento em tecnologias digitais.
Só que o mercado possui atualmente apenas 32,5 pessoas qualificadas para ocupar essas vagas. E, dentre os segmentos que vem contratando mais, está o agronegócio, com uma média de um em cada três empregos destinados para esses cargos, um número que tende a crescer. Ainda seguindo o estudo, o setor deve empregar nos próximos dez anos 18,8 milhões de trabalhadores.
Outro levantamento feito pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), lançado em novembro, apontou que o mercado de agronegócio contratou 886 mil pessoas nos dez primeiros meses de 2022. Já segundo uma pesquisa feita pela PageGroup, empresa global de RH presente em 30 países, as carreiras que serão tendências neste ano são desenvolvedores de software; gerente agrícola; gerente de unidade; gerente de compras; CSO (Chief Sustainability Officer); Gerente de Assuntos Regulatórios. Ela foi feita a partir da análise e respostas de 7 mil consultores globais, que atuam em empresas de pequeno, médio e grande portes de 14 setores diferentes, como ESG, tributário, bancos, engenharia, saúde, recursos humanos (RH), logística, tecnologia da informação (TI), vendas, varejo, fintechs e seguros. Isso mostra o quanto as habilidades para o agro estão diretamente relacionadas ao agronegócio.
Por fim, concluo que o segmento de agronegócio vem funcionando como uma engrenagem e tem movimentado a economia mundial trazendo resultados positivos para todas as pontas. Mas, esse crescimento só está acontecendo devido ao avanço da tecnologia e ao surgimento de startups agtechs, que ajudam a ganhar produtividade, gerar novos negócios, melhorar a competitividade entre as companhias, impulsionar a contratação de novos profissionais, intensificar as práticas sustentáveis nas instituições, zerar o problema da fome no país, e minimizar os impactos ambientais.
Com isso, reforça a importância de implementar soluções inovadoras e disruptivas em um mercado que até poucos anos atrás era considerado arcaico. Mas, para que essa prática perpetue é fundamental que haja muita resiliência e força de vontade por parte dos empreendedores. Porém, é fato que a recompensa valerá muito a pena.
Este post foi produzido por Gustavo Caetano, CEO da Sambatech e Samba Digital e colunista do MIT Technology Review do Brasil.