O ano de 2021 começou com a bombástica decisão da Ford de encerrar a produção no Brasil. Em nota divulgada na ocasião, a montadora explicou que fechar suas três fábricas em território nacional tinha a ver com o propósito de atender os consumidores com um novo portfólio e “acelerar a disponibilidade dos benefícios trazidos pela conectividade, eletrificação e tecnologias autônomas, suprindo, de forma eficaz, a necessidade de veículos ambientalmente mais eficientes e seguros no futuro”. Em suma, a Ford anunciava seu propósito de abrir mão da produção de veículos tradicionais e de enveredar por uma seara de inovação.
Na lista da montadora estavam eletricidade, autonomia e automação. Mudar a forma como os carros se movimentam representa hoje um desafio muito maior do que a mera substituição de combustível fóssil por uma fonte de energia renovável. A transição da gasolina para a eletricidade demanda alta tecnologia, da qual dependem desde o desenvolvimento de baterias mais eficientes até a codificação de softwares e a coleta de uma enormidade de dados que garantam o funcionamento de uma máquina muito pouco parecida com a engenhoca mecânica de suas origens.
O futuro já está configurado: carros serão computadores sobre rodas. É nisso que a Ford está trabalhando. Aliás, não só ela. Os ventos de imensas mudanças sopram para todos. O futuro que se prefigura começou a ser esboçado quando a sociedade em que vivemos se tornou global e conectada, graças a uma combinação de evolução tecnológica e revolução comportamental e cultural.
As fronteiras nacionais deixaram de ser limites para trocas comerciais e financeiras. Os processos produtivos seguiram o mesmo curso, dispersando-se por diversos países, cada vez mais de forma digital. É por isso, por exemplo, que a Holanda, player tradicional no mercado internacional de flores, desenvolve novas variedades sob demanda de varejistas dos Estados Unidos e as cultiva no Quênia. Várias empresas e diversos países entram na cadeia de valor digital de produtos e serviços. Em 2020, 20% dos líderes da cadeia de suprimentos global acreditavam que o fornecimento de suprimentos já se dava predominantemente pelo meio digital e 80% esperavam que esse modelo se tornasse predominante em cinco anos, segundo o MHI Annual Industry Report 2020.
O nascimento da Nova Economia
A globalização, movimento que afetou todos os aspectos da vida contemporânea, e o contínuo desenvolvimento tecnológico possibilitaram o surgimento de um novo ambiente. De estratégias empresariais disruptivas à completa reviravolta no mundo do trabalho, a tecnologia permitiu ao empreendedorismo individual desempenhar um papel fundamental na construção de um novo modelo econômico, em que uma boa ideia — e um investidor — são suficientes para iniciar um negócio. E ele pode se tornar maior — muito maior — do que qualquer Ford.
Podemos transferir informações ao redor do planeta pela Internet. Podemos armazenar dados na nuvem sem precisar comprar um servidor próprio para isso. Podemos usar as APIs (Application Programming Interfaces) para compartilhar características de um sistema complexo com outro sem precisar gastar tempo e recursos com reprogramações. A ultraconectividade nos aproximou e nos deu a possibilidade de obter, tratar e analisar um número extraordinário de informações para tomar decisões.
É nesse ambiente que se estabelece a Nova Economia, movida pela paixão e pelo empenho de empreendedores em criar modelos de negócio baseados na conexão entre pessoas e instituições (públicas ou privadas). O fator que determina o sucesso é a capacidade de cada um de desenvolver tecnologia proprietária, recurso que permite integrar cadeias de valor para ganhar vantagem competitiva e alcançar um nível de escalabilidade com o qual as empresas da Velha Economia nem ousam sonhar. O maior acesso à Internet, por exemplo, coloca em xeque modelos de negócios físicos ao permitir, por exemplo, que os gastos com comércio eletrônico quase dobrassem de 2014 a 2019.
Um novo país
Da visão desses empreendedores está nascendo um Brasil capaz de competir globalmente e apto a oferecer soluções novas para problemas que há muito dificultam a vida dos brasileiros. Se a globalização e a conectividade em massa são fatores que possibilitaram a existência dos novos negócios, é o compromisso de fazer diferente que lhes permite crescer. Suas ferramentas de trabalho são o Big Data e Inteligência Artificial, a partir das quais se pode entender melhor o comportamento do consumidor e desenvolver novos produtos e serviços, disputar mercado procurando (e encontrando) o cliente certo.
A transformação nos mercados é frenética. A expectativa média de vida de uma empresa no S&P 500 — índice que congrega as maiores ações (por valor) das bolsas norte-americanas — diminuiu em mais de cinquenta anos no último século e indica que o ciclo de nascimento e morte das organizações está cada vez mais veloz. O mundo vem sendo varrido por empresas que reinventaram o consumo. O Brasil não está alheio a essa tendência. Na esteira do sucesso da Netflix, a Jovem Pan lançou a Panflix, plataforma de streaming do grupo que transforma conteúdo radiofônico em vídeo com distribuição flexível. A Globo já colhe o sucesso da Globoplay e se movimenta para entrar no mercado internacional. Mas e os cinemas? Como ficarão diante do avanço desses serviços? A pandemia chegou impondo uma mudança de hábito que já se mostrava inexorável, o que estão esperando os gestores à frente das grandes cadeias para inovar?
Não há respostas fáceis, mas falta pressa a muita gente. A tecnologia não só estimula e propicia o nascimento de novas empresas, mas também obriga as antigas a se mexer. Como as organizações ligadas à educação estão se preparando para não ficar obsoletas e oferecer aos alunos uma experiência de aprendizado melhor e mais adequada a um mundo em constante mutação? Cursos presenciais e muito longos devem perder espaço para os mais curtos e disponíveis em canais digitais. De novo aqui, a pandemia só acelerou a digitalização que muitos desejariam postergar indefinidamente. Estudo realizado pela HolonIQ, plataforma global de inteligência educacional, aponta que as edtechs brasileiras estão entre as mais inovadoras da América Latina. São empresas, como a Trybe e BeAcademy, que mudaram a forma como se ensina, algo que as escolas tradicionais não podem ignorar.
A hora é agora
Voltando ao início deste artigo, a indústria automobilística está se preparando para um futuro mais inteligente e sustentável. Em vinte anos, estima-se que 323 milhões de veículos elétricos e híbridos entrem em circulação no mundo, trinta vezes mais do que o número existente hoje. O que já deveriam fazer agora os proprietários de postos de combustível para encarar essa nova realidade? Não está na hora de equacionarem a necessidade de estações de carregamento ou dar novos destinos aos imóveis? São elas que vão ajudar a aumentar a confiança do consumidor na nova mobilidade e dizer quem vai dominar o mercado de abastecimento num futuro muito próximo.
A revolução provocada pela tecnologia mexe com todo o mercado brasileiro, nas mais diferentes áreas. Com a evolução da criptografia, que amplia a segurança no tráfego de informações, e do blockchain, que organiza dados de forma segura e sistemática, os cartórios — uma das jabuticabas nacionais — terão de encontrar novos caminhos para descomplicar os serviços que prestam ou muito provavelmente não sobreviverão. Aos grandes bancos brasileiros caberá responder à atratividade de fintechs verdadeiramente focadas no cliente; e há muitos outros exemplos para ilustrar uma realidade que se espraia por todos os setores.
Encerramos 2019 no Brasil com nada menos do que 12.700 startups no país. Se o número absoluto pode não parecer muito alto, ganha relevância quando observado em perspectiva. O total é 27% maior que no ano anterior e vinte vezes maior que no início da década de 2010, quando foram registrados seiscentos negócios. Em 2020, pela primeira vez na história, os investimentos em venture capital superaram o montante aportado em empresas por fundos de private equity — foram 15 bilhões de reais em transações contra 9 bilhões, segundo a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital. Isso demonstra a força da inovação. A aposta nas startups emergentes superou o volume em negócios consolidados.
A Nova Economia reinventa os relacionamentos de negócios, inserindo no jogo atores sem medo de inovar e um ecossistema pronto para acolhê-los, do capital semente para pôr as mãos na massa a incubadoras que aceleram o empreendimento. A era da acomodação acabou. Empresas da Velha Economia no Brasil que pretendem sobreviver neste novo mundo precisam começar a inovar já.