Algumas startups acreditam que os tijolos que retêm o calor podem ser a solução para levar energia renovável a alguns dos maiores poluidores do mundo.
As indústrias responsáveis pela fabricação de produtos que vão do aço à comida para bebês necessitam de muito calor. Atualmente, a maior parte desse calor é gerado pela queima de combustíveis fósseis como o gás natural. Nesse contexto, a indústria pesada acaba representando cerca de um quarto das emissões mundiais de carbono, e fontes alternativas de energia que produzem menos gases de efeito estufa (como o caso da eólica e solar) não podem gerar de forma consistente o calor que as fábricas demandam para a produção de seus produtos.
É a vez das baterias de calor. Um número crescente de empresas está trabalhando para implantar sistemas que possam armazenar o calor gerado pela eletricidade limpa e para que ele possa ser posteriormente usado em pilhas de tijolos. Muitos desses sistemas usam projetos simples e materiais disponíveis comercialmente e podem ser construídos rapidamente, em qualquer lugar em que sejam necessários. Um experimento na Califórnia (EUA) começou no início deste ano, e outros sistemas de teste estão em andamento. Embora ainda estejam em estágios iniciais, os sistemas de armazenamento de calor têm o potencial de ajudar a reduzir o uso de combustíveis fósseis pelas indústrias.
A torradeira do futuro
Uma das principais razões para o sucesso potencial das baterias de calor é sua simplicidade. “Se você quiser ampliar a escala de adoção dessas baterias, ela precisa ser uma tecnologia tão simples que chega a ser sem graça, mas confiável”, diz John O’Donnell, CEO da Rondo Energy, startup de armazenamento de calor com sede na Califórnia.
A startup colocou em operação seu primeiro piloto comercial em março em uma usina de etanol na Califórnia: basicamente uma pilha de tijolos cuidadosamente projetada.
No sistema da Rondo, a eletricidade passa por um dispositivo de aquecimento, onde é transformada em calor. É o mesmo mecanismo que uma torradeira usa, diz O’Donnell, só que muito maior e mais quente. O calor então se espalha por entre a pilha de tijolos, aquecendo-os a temperaturas que podem chegar a mais de 1.500 °C.
O recipiente de aço isolado que abriga os tijolos pode mantê-los quentes por horas ou até mesmo dias. Quando é hora de usar este calor retido, os ventiladores localizados dentro da unidade de armazenamento sopram o ar através dos tijolos. O ar pode atingir temperaturas de até 1.000 °C ao passar pelas frestas dos materiais.
Como o calor resultante desse procedimento será usado dependerá do processo comercial, diz O’Donnell, embora muitas instalações industriais provavelmente o usem para transformar água em vapor de alta pressão.
No projeto-piloto da Rondo baseado em uma usina de biocombustíveis na Califórnia, por exemplo, este vapor é usado durante o processo de fermentação que produz o etanol. Muitos outros processos industriais usam vapor para controlar a temperatura em reatores ou em outras etapas, como purificação.
As baterias de calor também podem ser especialmente projetadas para processos de alta temperatura que não usam vapor atualmente, como produção de cimento e aço, que exigem temperaturas acima de 1.000 °C.
Muitos processos industriais funcionam 24 horas por dia, e por isso precisariam de aquecimento constante. Ao controlar cuidadosamente a transferência de calor da pilha de tijolos para o ar, o sistema da Rondo é carregado rapidamente, aproveitando os curtos períodos em que a eletricidade é barata devido à disponibilidade de fontes renováveis. Estima-se que as baterias de calor da startup provavelmente precisarão de cerca de quatro horas de carga para poder fornecer calor constantemente, dia e noite.
Uma quantidade “monstruosa” de calor
Um dos maiores desafios para as tecnologias de armazenamento de calor será a construção de sistemas suficientes para atender à enorme demanda de energia da indústria pesada. O setor usa uma quantidade “monstruosa” de calor, diz Rebecca Dell, diretora sênior de indústria da ClimateWorks. De toda a energia usada anualmente pelas fábricas, cerca de três quartos está na forma de calor, enquanto hoje, apenas um quarto é eletricidade. O calor industrial representa cerca de 20% da demanda global total de energia.
Os combustíveis fósseis têm sido a maneira óbvia e mais econômica de alimentar esses processos industriais massivos, mas os preços da energia eólica e solar caíram mais de 90% nas últimas décadas. Dell diz que isso possibilitou que a eletricidade desempenhasse um papel maior na indústria.
“Estamos em um momento magnífico em que podemos parar de queimar coisas para gerar calor e fazer com que esse processo seja mais barato”, diz O’Donnell.
Existem algumas outras opções potenciais para o uso de energia renovável barata na indústria. Algumas instalações podem ser modificadas e ajustadas para o uso direto de eletricidade, em vez de calor intenso. Algumas empresas estão trabalhando em processos eletroquímicos para fazer cimento e aço, por exemplo, embora a substituição de toda a infraestrutura das usinas existentes possa levar décadas. Usar eletricidade para gerar hidrogênio, que depois pode ser queimado para se gerar eletricidade, é outra possibilidade, embora em muitos casos ainda seja algo ineficiente e de custo proibitivo.
Qualquer iniciativa para atender à enorme demanda de calor da indústria exigirá drásticas expansões no que tange a geração de eletricidade. Uma fábrica de cimento padrão, por exemplo, usa cerca de 250 megawatts de energia o tempo todo, principalmente na forma de calor, diz Dell. Isso representa cerca de 250.000 residentes, portanto, a utilização de eletricidade como fonte de energia em uma grande instalação industrial resultará uma demanda elétrica equivalente à de uma cidade pequena.
Um tijolo de cada vez
A Rondo não está sozinha em sua busca para implantar baterias de calor na indústria. A Antora Energy, com sede na Califórnia, também está construindo sistemas de armazenamento de calor, usando carbono. “É super simples. São literalmente apenas blocos sólidos”, diz o cofundador e COO Justin Briggs.
Em vez de usar um elemento de aquecimento separado (como a “bobina da torradeira” de Rondo) para transformar eletricidade em calor, o sistema de Antora usará blocos de carbono como um aquecedor resistivo, para que gerem e armazenem calor. Isso pode reduzir os custos e a complexidade do processo, explica Briggs. Mas a escolha também significa que o sistema precisa ser cuidadosamente protegido, já que o grafite e outras formas de carbono podem se degradar em altas temperaturas no ar.
Em vez de fornecer apenas calor para a indústria, a Antora planeja oferecer uma opção voltada também para a eletricidade. O procedimento da startup depende de termofotovoltaicos (dispositivos semelhantes aos painéis solares que captam energia do sol) para capturar a energia térmica que irradia dos blocos quentes e transformá-la em eletricidade ao invés de convertê-la diretamente em calor, como a Rondo Energy faz.
Embora os sistemas de armazenamento de calor para troca térmica possam superar até 90% de eficiência, transformar calor em eletricidade é muito mais difícil. Os dispositivos da Antora apresentaram menos de 50% de eficiência quando usados para eletricidade, na mesma faixa de muitas turbinas a gás convencionais em uso nos dias de hoje.
A Antora está atualmente construindo seu primeiro sistema piloto em Fresno, Califórnia. O sistema terá aproximadamente o tamanho de um contêiner de transporte e deve entrar em funcionamento ainda este ano.
Mesmo usando materiais disponíveis comercialmente, levará um tempo para o armazenamento de calor provar sua importância para os fabricantes e fazer uma redução significativa nas emissões industriais de carbono. Mas a tecnologia pode ser um alicerce para um novo setor industrial sustentável. “Temos todas as ferramentas de que precisamos para nos transformar nossa economia para uma de zero carbono”, diz O’Donnel. Agora é hora de colocá-las em ação.