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A blockchain do Bitcoin possui, em seu núcleo, um algoritmo de proteção contra ataques cibernéticos que se chama Prova de Trabalho — em inglês Proof of Work, ou simplesmente PoW. Para adicionar um novo bloco válido na cadeia de blocos e ganhar a recompensa, um software de mineração tem que realizar um trabalho de processamento intenso, segundo o qual seu resultado é verificado facilmente. Muito esforço para o hacker, pouco esforço para a rede, no caso de uma tentativa de ataque. Desfavorecendo a balança para o lado do hacker.
Esta estratégia de defesa tem funcionado muito bem ao longo dos anos. Nenhum hacker conseguiu manipular a rede até hoje, apenas pequenas oscilações. No entanto, movimentos ambientais começaram a criticar a solução por ser possivelmente danosa ao planeta. Os danos seriam causados pelo excesso de emissão de carbono provenientes de um processamento inútil. O carbono enfraquece nossa atmosfera e acaba aquecendo o planeta.
O estopim foi um tuíte de Elon Musk:
Tradução do tuíte: “Tesla suspendeu a compra de carros com Bitcoin. Nós estamos preocupados com o rápido crescimento de uso de combustíveis fósseis para a mineração e transação de Bitcoin, especialmente o carvão, que tem as piores emissões.”
O debate sobre impacto ambiental
Depois do tuíte de Elon Musk, o debate sobre mineração, energia, carbono e ambiente ganhou tração. Mas, ao contrário do que muita gente pode pensar, o que incomoda não é exatamente o Bitcoin queimar carvão (principalmente na China) e emitir carbono prejudicando o ambiente. Porque isso várias indústrias também fazem. Afinal, a matriz energética do planeta é assim distribuída.
Carvão e Petróleo são queimados em grande quantidade diariamente. Então por que a mineração de Bitcoin incomoda mais? Bem, entre os vários argumentos já utilizados para defendê-lo como um sistema financeiro que pode agregar valor à humanidade, etc., um parece incomodar mais: o fato de o processamento de mineração ser inútil.
É claro que já vimos anteriormente que o processamento da Prova de Trabalho é um mecanismo de defesa. Mas é também importante ter em mente que se a escala fosse reduzida, a competição ia diminuir, o processamento e a energia consumida também, e a rede continuaria a mesma, fazendo a mesma coisa com a mesma velocidade.
Ou seja, a competição é que eleva o gasto energético do Bitcoin, sendo livres aqueles que querem gastar sua energia em busca da recompensa. Mas, ok, ainda temos um problema a resolver.
Mineração Vulcânica
Outro fato importante ocorrido recentemente foi a adesão de El Salvador ao Bitcoin. O primeiro país a tornar a criptomoeda de curso legal. Saiu nos jornais mundo afora. O que mais chamou atenção foi que El Salvador tem vulcão, de onde eles tiram energia geotérmica para abastecer a cidade. Uma usina como na foto abaixo:
Logo, criou-se um projeto de que El Salvador poderia utilizar a energia dos vulcões para minerar Bitcoin. O projeto ganhou mais visibilidade ainda pela sua beleza. Mas vamos parar para pensar um pouco: os vulcões também emitem carbono, além de radioatividade que também pode gerar danos.
E por que ninguém criticou a iniciativa? Veja, o problema não é emitir carbono, o problema reside no fato de se podemos fazer algo sobre o assunto. E, imagino eu, ninguém vai se meter a apagar um vulcão. Dado que não podemos fazer nada, podemos pelo menos utilizar para alguma coisa. Lindo.
Mineração por carvão x Inteligência Artificial
Voltemos, então, ao carvão. Diante dos pontos apresentados acima, o problema não é exatamente o carvão ou sequer a emissão. O problema é a mineração de Bitcoin ser inútil.
Talvez possamos fazer algo com relação a isso. Se puder existir uma solução que torne o processamento útil. Ou seja, mantenha as mesmas características de defesa da rede, porém executando um trabalho de processamento que gera valor. Sim, Inteligência Artificial.
É interessante perceber que o processamento paralelo da Prova de Trabalho, principalmente utilizando GPU, se encaixa de forma muito parecida com os datacenters que processam IA hoje. Inclusive cheguei a projetar uma mineradora na Entropia.in que era tanto mineradora quanto processadora de IA. Os algoritmos acabam se complementando no hardware. Um gasta mais processador e o outro gasta mais memória. Reduz o desperdício.
Algoritmos de Inteligência Artificial, curiosamente, também são massivamente paralelos, simples e intensivos. Algoritmos de otimização combinatória cruzam vetores quase que aleatoriamente em busca de uma solução melhor. Deep Learning é massivamente paralelo e matricial como endereços de Bitcoin.
Quem já trabalhou com Redes Neurais sabe que seu treinamento pode demorar dias para ajustar o modelo, porém, uma vez ajustados os parâmetros, a execução e a verificação são imediatas.
Uma saída possível descrita na literatura é a iniciativa DLChain, sim, Deep Learning Chain, uma blockchain que pode minerar com aprendizagem profunda. Se isso funcionar, a fonte de energia passa a não ser mais tão importante, afinal, a demanda de processamento de IA não vai parar, e a mineração de Bitcoin pode passar a ter um produto útil afinal de contas. Fim de jogo.
Este artigo foi produzido por Christian Aranha, Empreendedor e pesquisador na área de Inteligência Artificial, Big Data e Blockchain, autor do livro Bitcoin, Blockchain e Muito Dinheiro e colunista da MIT Technology Review Brasil.