Big data, data lake, cultura data-driven são chavões que entraram no vocabulário de muitos profissionais quando o assunto é inovação e transformação digital. Porém, apesar da popularidade desses termos que chegaram finalmente à agenda dos CEOs e outros executivos sêniores, existe um risco grande de frustração coletiva e perda de dinheiro no mesmo molde de outras tendências tecnológicas que tivemos no passado.
Como atuante na área de tecnologia há mais de 20 anos, presenciei de perto o começo da união dos dados com a estatística, que resultou no cenário como conhecemos hoje. O big data surgiu como um conceito tecnológico para resolver o processamento desse alto e diverso volume de dados gerado pelos usuários, resultado da explosão do uso da internet e dos telefones inteligentes na década de 2000. Tecnologias como cloud computing e Inteligência Artificial (IA) ganharam adoção significativa nas empresas e passaram a ser os novos “queridinhos dos CEOs”. Como em outras “hypes” tecnológicas, vimos o mesmo resultado frenético: “Não sei exatamente como essas tecnologias vão gerar valor para o nosso negócio, mas precisamos tê-las antes dos nossos concorrentes”.
Os cientistas de dados também entraram na moda, mas ainda estavam distantes das decisões estratégicas das empresas. Em muitos casos ficavam alocados na salinha do canto, conhecida como “a sala dos inteligentes”, ainda que ninguém soubesse exatamente como usar toda essa inteligência no mundo real.
Assim, entramos no que eu chamo de “Era do Cemitério de Dados”, na qual os líderes, de forma não intencional, enterraram esse conhecimento robusto sobre seus consumidores porque não conseguem ativar esses dados em tempo real no momento mais importante da jornada do consumidor que é exatamente quando eles estão no canal. Ou seja, o investimento em data lakes e ciência de dados não caminhou junto com a estratégia de negócios e não foi pensado no cliente como centro da empresa.
Como já se diz há algum tempo, os dados são o novo petróleo, mas sem o refinamento necessário de nada servem para as empresas. Em conversas com clientes, não só brasileiros, mas também de outros países latino-americanos, é fácil notar quando todo o potencial dos dados coletados não está sendo aproveitado. É só acessar o site e o app de uma mesma marca ao mesmo tempo e depois entrar na loja física. Se as experiências forem diferentes em cada canal e o sistema entender você como dois consumidores diferentes, há uma falha que tem origem na falta de orquestração de dados e na ativação. É como se o consumidor fosse pessoas diferentes dependendo dos produtos que tem e de quais canais utiliza.
A saída da ‘Era de Cemitério de Dados’
O futuro continuará sendo baseado em big data, uma vez que o cerne das novas tecnologias, como 5G e metaverso, por exemplo, está nos dados. O white paper “Data Age 2025”, da consultoria IDC, prevê que a soma dos dados mundiais aumentará para 175 ZB em 2025 uma taxa de crescimento anual de 61%.
Os dados continuarão a ser armazenados, em sua quase totalidade, em nuvem. Ou seja, coletar dados já é uma commodity, o desafio é ativá-los para criar experiências melhores para seus consumidores de forma escalável e gerar impacto na estratégia e indicadores de negócio mensuráveis. Como fazê-lo, então?
A resposta curta é pensar em como ativá-los, em tempo real, nos canais onde estão os clientes. Para isso, é necessária uma mudança estrutural de como as empresas trabalham suas ações comerciais como um todo, trazendo o cliente para o centro.
Ainda vemos que muitas empresas se orientam pelo modelo tradicional: Produto >> Canal >> Cliente, enquanto o ideal, em uma estrutura customer centric, é Cliente >> Canal >> Produto. Assim, é possível trabalhar com base no que o consumidor deseja. Mais do que pensar em campanhas de marketing que nascem das necessidades da empresa de “escoar” algum produto, é trabalhar com base nas jornadas que vão acompanhar o cliente em todo o seu ciclo de vida e oferecer produtos e experiências de acordo com seu perfil e momento.
Essa fase de reorganização interna exige também um olhar atento para detalhes que são de extrema relevância para tornar os dados acionáveis, como, por exemplo: quais informações do cliente são necessárias para atingir um alto nível de personalização da experiência em escala? Não adianta coletar tantos elementos que não serão úteis para a marca, isso só contribuirá para o “cemitério de dados”.
Lembro-me do projeto de uma grande empresa, que possui milhões de clientes, em que a equipe envolvida demorou alguns meses para escolher apenas qual dado dos usuários seria usado para construir o perfil único de cada cliente. É nesse nível técnico e de negócio que todas as companhias deveriam trabalhar na criação de repositórios de dados e na própria análise para obtenção de insights de clientes.
Outro fator que deve ser levado em consideração é a integração entre departamentos. Já presenciei times de profissionais de uma mesma empresa, mas de áreas diferentes, discutirem sobre quem seria o “dono dos dados dos consumidores”. Se o cliente é da marca como um todo, por que as informações dele teriam que pertencer a um só departamento?
Essa ideia de união, de departamentos como TI e marketing, para melhor uso de ferramentas martech, não é necessariamente nova, mas ainda são poucas as empresas que a aplicam. Com o cliente no centro, não existe mais essa separação entre quem cuida de cada canal ou pré e pós-venda, tudo deve ser orientado para a oferta de uma experiência omnichannel aos usuários.
Há pouco tempo, por exemplo, tive uma experiência com uma provedora de internet fora do Brasil que me decepcionou como consumidor. Busquei serviço de banda larga para minha residência no site, no qual me pediram todos os dados, até da minha conta bancária e data de instalação do serviço. Como nunca recebi a confirmação da compra, entrei no canal de WhatsApp da companhia para consultar. De novo, pediram informações pessoais e que produtos eu gostaria de contratar; quando afirmei que só queria confirmar o meu pedido, a resposta foi: “Senhor, são sistemas diferentes”. Por fim, realizei uma nova compra e escolhi o mesmo dia da instalação anterior. Para minha surpresa, chegaram dois técnicos ao mesmo tempo à minha casa porque toda a confusão gerou dois clientes na base da empresa. Percebem a importância da unificação dos canais? Sem ela, perde-se tempo, recursos, e não se fideliza o cliente.
Novas tecnologias
Pela natureza dos negócios e como seus canais digitais e não digitais foram construídos, os dados dos clientes estão em diferentes sistemas, e muitas vezes com IDs diferentes, o que cria múltiplas visões do mesmo consumidor e dificulta ativação e tempo real de volta nos próprios canais. Como a minha experiência nessa empresa de internet fora do Brasil que comentei anteriormente. As organizações, então, fizeram um esforço grande para unificar toda essa informação, mas se esqueceram de pensar na ativação orquestrada.
Nesse cenário nascem novas tecnologias, como a Customer Data Platform (CDP), com a promessa de corrigir esse problema, resolvendo os múltiplos IDs dos clientes, criando uma visão única e principalmente focando na ativação dos canais em tempo real. Para mim essa será a buzzword do momento, e todas as grandes empresas sairão na corrida para ter as suas CDPs, mas, como já vimos no passado, sem ter um profundo entendimento ou alinhamento das necessidades do negócio, será só mais um acrônimo do vasto mundo de tecnologias disponíveis. Com certeza escutaremos muito falar de CDPs, mas essa história fica para um próximo artigo!
Governança responsável
Outro assunto que precisamos colocar na pauta é o da gestão desses dados em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e regulamentações internacionais, caso a companhia atue em outros países. O mercado global de big data cresceu 62% entre 2018 e 2022, saindo de US$ 169 milhões em 2018 para US$ 274 bilhões, de acordo com a SiliconANGLE, e, com essa expansão exponencial da cultura data-driven, é preciso olhar para a questão de governança com extrema atenção.
Esse processo demanda grande esforço e investimento em tecnologias robustas e parceiros que respeitem igualmente as regras, adotando condutas rigorosas para a segurança de informações sensíveis. As tecnologias garantem que se controle as áreas e pessoas que terão acesso aos dados dos clientes e que tipos de dados poderão ser utilizadas e de que forma.
Portanto, fatores como coleta e tratamento das informações, de forma correta, com o consentimento registrado de cada usuário, vai além de poder fazer ofertas de experiências personalizadas em escala. Uma boa governança de dados é, na verdade, um passo necessário para acabar com o “Cemitério de Dados”.
Vamos evoluir juntos nessa?
Douglas Montalvao é diretor-geral de Enterprise da Adobe Experience Cloud para América Latina