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Chegamos a um ponto de inflexão no mercado das moedas digitais. O Bitcoin acumula queda de mais de 54% em seu preço em 2022, segundo dados da CoinDesk e contabilizados até o dia 24 de junho. O Ethereum caiu mais de 65% no mesmo período. Uma das maiores empresas cripto, a Gemini, demitiu 10% de seus funcionários, a Binance interrompeu saques temporariamente, e a Celsius, de empréstimos, pausou transferências. Muita gente questiona hoje se a crise das criptomoedas é uma oportunidade ou um sinal de colapso. Para mim, é um sinal da falha de transição que vivemos hoje em termos de economia digital.
Recentemente, Jason Kupferberg, analista do Bank of America, comparou a saturação atual do mercado cripto ao começo dos anos 2000, quando o boom das pontocom levou ao surgimento de muitas empresas de Internet. “Apenas algumas se tornaram bem-sucedidas. Com criptomoedas, ainda veremos a consolidação desse mercado”. Os mercados são sazonais, lembra a gestora Andreessen Horowitz em um relatório recente, justificando a queda dos preços como algo ‘cíclico’, que reflete a evolução desse mercado. Ficou fácil e barato produzir criptoativos. Mas, como todo ativo, as cripto hoje estão influenciadas por um ambiente macroeconômico ruim, pelo aumento de juros do Federal Reserve (FED) e um amadurecimento dos próprios investidores.
Há uma visão já consolidada entre muitos deles de que hoje o que se busca vai além do retorno fácil em termos de investimentos. Para a Andreessen Horowitz, qualquer fundador que desistiu da Internet após o crash dos anos 2000 perdeu as melhores oportunidades que vieram, em termos de computação em nuvem, redes sociais, streaming e smartphones. “Agora é a hora de considerar quais serão os sucessos equivalentes na web3”. E as cripto são parte central deste jogo.
Para entendermos a evolução do mercado criptomoeda, é preciso olhar para o mundo centralizado e mundo descentralizado. A Web 3.0 é a grande solução para construir um mundo descentralizado e também é mais recompensadora para desenvolvedores. No geral, a Web3 pagou US$ 174 mil por criador em comparação com os US$ 0,10 por usuário da Meta, US$ 636 por artista no Spotify e US$ 2,47 por canal do YouTube, segundo o relatório ‘State of Crypto’. No centro das cripto estão os conceitos de descentralização, desintermediação, direitos de propriedade direta e um registro imutável desses direitos.
Mas nos últimos anos, analisa Sean Stein Smith, professor da City University of New York, essas características fundamentais de blockchain e criptoativos foram ofuscadas com o surgimento de stablecoins (opções centralizadas), trocas de empréstimos e empréstimos de criptomoedas (opções centralizadas) e o crescimento de players institucionais (opções centralizadas). “Esses eventos, por si só, não são uma tendência negativa e devem ser vistos como sinais de amadurecimento do mercado”.
No mundo descentralizado, o Ethereum, que dominou a conversa sobre a evolução do blockchain e possui mais de US$ 170 bilhões bloqueados em sua plataforma, ajudou a sedimentar um conhecimento que tornou mais barato produzir criptomoedas. Mas que abriu espaço para cópias ou projetos que não tem propósito além de especular. No meio de todo esse movimento, bancos centrais e grandes empresas se mobilizam para criar e lançar as suas próprias moedas digitais, prometendo a segurança, centralização e privacidade de transação. Mas eles também estão aprendendo os fundamentos que movem o dinheiro nesta nova economia digital.
Um relatório de maio de 2022 do Fórum Econômico Mundial sobre tendências de globalização até 2027 é claro: a convergência entre a integração econômica do mundo físico e digital já está dada, mas ainda está longe de se materializar. “A reavaliação dos ativos de tecnologia no início da década levou ao desenvolvimento mais direcionado de serviços e produtos. Em algumas áreas, a concorrência é forte, com pequenos e grandes players competindo para oferecer os melhores serviços. Em outros, as maiores plataformas formam domínios globais, e seu domínio levanta preocupações políticas e sociais sobre poder descontrolado e concentração de mercado”.
Por esta razão, o que vivemos hoje é uma falha de transição, com legislações locais tentando abraçar todas pontas soltas e espalhadas pelo mundo, com impostos condizentes a um mundo pré-digital, com pessoas resistentes a qualquer mudança e outras achando que toda criptomoeda será quebra de paradigma. Não à toa, este mercado tinha 295 milhões de usuários, mas esse número pode chegar a 1 bilhão até o final de 2022, segundo um relatório da Crypto.com. Nesse todo, é difícil separar o joio do trigo: a qualidade das criptomoedas irá variar e exige cada vez mais análise sobre onde colocamos o dinheiro e apostamos. O que não dá hoje é ignorar que a natureza das criptomoedas é descentralizada e, portanto, global, que elas já estão ganhando espaço e movimentando um dinheiro sem fronteiras. A Covid-19 derrubou muitas delas em termos de trabalho, consumo e finanças. Hoje, as pessoas já têm acesso a um maior número de vagas e plataformas para trabalhar de qualquer lugar de mundo – e como remunerar de modo descentralizada é uma das perguntas que companhias estão fazendo.
De acordo com pesquisa realizada pela SoFi, 36% dos trabalhadores desejam receber parte ou todo o seu salário em criptomoeda. Se as empresas começaram a pagá-las assim, não vão ser taxações locais que irão brecar desenvolvedores de receberem em criptoativos. A discussão sobre isonomia salarial, portanto, também precisa existir – e ela só existe, no mundo ‘work from anywhere’. A grande lição da crise das cripto atual talvez seja a de que: ou coordenamos de modo global esse negócio ou viveremos de pequenos monopólios fracionados, jogando um jogo instável, com cartas marcadas, sem aproveitar em larga escala os benefícios do que a tecnologia já disponível pode gerar a um maior número de pessoas.
Este artigo foi produzido por Guga Stocco, membro do Conselho de Administração do Banco Original, Totvs, Vinci e Grupo Soma, fundador da Futurum Capital e colunista da MIT Technology Review Brasil.