Alguns anos atrás, antes da digitalização chegar, você fundamentalmente era fiel a essa cooperativa e continuava como cliente mesmo que talvez ela tivesse um mau atendimento, ou cobrasse taxas mais altas, porque a sua alternativa era cara: pegar o carro e se deslocar até a cidade grande mais próxima ia envolver gasto de tempo, de dinheiro, e muito provavelmente você não ia optar encarar esses custos, que na teoria econômica são chamados de custos de troca, e são fundamentalmente os custos relacionados a você “trocar” o seu fornecedor. No mundo pre-digital eles eram altos, não é?
E hoje, com o mundo digital? Se eu não gostar do atendimento ou achar as taxas altas demais, com um clique eu abro conta num banco concorrente — ou seja, os custos de troca praticamente caíram para zero porque a digitalização introduziu acesso infinito à informação e fomentou uma maior competição entre empresas e isso obviamente empoderou muito o cliente.
Mas mesmo assim não podemos dizer com assertividade que o cliente ficou com todos os seus problemas resolvidos através do digital: ainda existem problemas relacionados à privacidade de dados (como controlar o que é feito com meus dados?), à confiança (como confio na empresa e em tudo que ela me diz?), à experimentação de produtos limitados ao mundo físico (afinal, você não consegue viver as infinitas situações de uso do produto ou serviço que você está querendo comprar), e assim por diante.
O que fazer então? Como podemos melhorar a experiência do cliente e alcançar uma customer centricity ainda maior no futuro? Bom, isso é permitido pela Web3.
Quando a gente olha para as grandes diferenças entre as fases, a Web2 — a iteração atual da Internet — é considerável application-centric, ou seja focada nas aplicações. Mas a Web3 é realmente user-centric, devido às características de descentralização e imersividade de suas tecnologias.
Para começar, na Web3 os usuários finais recuperarão a propriedade e o controle completos de seus dados e desfrutarão da segurança da criptografia. Isso significa que eles poderão escolher se e quando as informações sobre eles podem ser compartilhadas e/ou usadas com ou por anunciantes, profissionais de marketing ou pesquisadores, por exemplo. Uma maneira de fazer isso é com interfaces simples e intuitivas que permitirão aos usuários entender quais informações eles estão compartilhando com as empresas: isso tem o potencial de conceder a ele controle total sobre a personalização e até receber dinheiro pelo uso de suas informações. Eles poderiam, por exemplo, ganhar micropagamentos por respostas a pesquisas. Ou até mesmo receber tokens por consumir ou compartilhar conteúdo. Com isso percebemos que uma grande vantagem para o cliente no mundo da Web3 é ter maior privacidade e controle absoluto de seus dados e, além disso tudo, conseguir obter hiperpersonalização através dos seus dados.
Hoje, se eu sou uma pessoa física estou fazendo compras, tenho que me deslocar entre uma loja e outra, assim como se eu sou uma empresa B2B que está comprando matéria prima ao redor do mundo, eu preciso pedir muitas propostas, em países diferentes, com regulamentações e impostos distintos. Isso é complicado e chato demais, o que gera muito atrito, muita fricção. Com o online e o ecommerce, esse atrito já tem diminuído, mas além disso, com o mundo da Web3 isso se resolverá com o conceito de interoperabilidade.
Pela interoperabilidade, usuários pegam o valor que criaram dentro de uma plataforma e o trazem para outra plataforma, e vice-versa, sem barreiras. A verdade é que esse conceito ainda não está 100% desenvolvido, porque se você teoricamente comprar uma versão digital de um vestido da Zara no Roblox (uma parte do jogo do metaverso), provavelmente não poderá usá-lo, digamos, no metaverso Horizon do Meta. Isso porque o metaverso, por enquanto, é uma coleção de universos separados e não uma grande plataforma aberta. Isso significa que os consumidores quase nunca podem mover bens digitais de um mundo virtual para outro. Isso é extremamente inconveniente, mas quase nunca pensamos nisso porque sempre foi assim.
A Web3 tem o poder de mudar isso. Todas as suas informações e seus pertences serão centralizados em sua própria “identidade” — seja uma carteira criptográfica ou um Self-sovereign identity (SSI) — como tokens. O que você possui será conectado com sua identidade em vez de uma plataforma. O que permitirá que você leve tudo com você enquanto pula de um aplicativo ou ecossistema para outro. Isso também tem o poder de ter um enorme impacto na interoperabilidade entre os dispositivos IoT em geral e os de casas e cidades inteligentes em particular — que possivelmente já vão te conhecer. Não seria legal você chegar no seu hotel preferido e as luzes já estarem pré-programadas da forma que você prefere, com a música de fundo que você gosta? Ou seja, também percebemos que essa interoperabilidade, o que tira todo atrito, toda fricção entre uma experiência e outra, é um dos grandes benefícios da Web3.
Além disso, há outro benefício que está relacionado às relações que temos com empresas, que viram menos transacionais e mais focadas em comunidade e onde os ganhos são mais compartilhados. Um exemplo é como a banda Kings of Leon lançou um álbum como um NFT e seus tokens – incluindo uma quantidade limitada de “golden tickets” de aparência única – desbloqueiam vantagens especiais como vinil de edição limitada e assentos na primeira fila para futuros shows .
A verdade é que a maioria dos sistemas de fidelidade atuais – como os programas de milhas de aerolinhas – estão completamente desequilibrados: mais benefícios vão para a empresa do que para o cliente. As NFTs envolverão muito mais os clientes, que se tornarão parte da jornada. Se eu, como passageiro frequente, tiver uma participação NFT em uma empresa, ambos teremos interesses compartilhados em vez de opostos. Em outras palavras: se a empresa vai bem, o valor do NFT vai subir e aí eu vou bem também. E assim eu, como cliente, me beneficiarei quando a marca apresentar melhor desempenho e, portanto, me tornarei sua embaixadora. Na verdade, o cliente se torna um acionista emocional. Esse senso de compartilhamento de valor e de comunidade o torna muito mais do que um cliente, mais um benefício da Web3.
Agora vamos entender como o problema da confiança, que mencioei antes, surgiu: considere um agricultor cultivando milho em um vilarejo. Para vender o produto ele pode montar uma barraca e comercializar diretamente para outros moradores — o agricultor é pago imediatamente para que saiba que recebeu pelo milho e o morador, que coloca o milho diretamente em sua cesta, sabe que recebeu o produto. Há pouca necessidade de confiança, pois a transação é imediata tanto no tempo quanto no local.
Se, no entanto, mudarmos ligeiramente as variáveis de tempo e espaço, então a necessidade de confiança aumenta – se o morador diz que vai pagar na semana seguinte, o agricultor deve confiar que o morador pagará mais tarde. Da mesma forma, se o morador pagar imediatamente, mas pedir ao agricultor que entregue o milho em seu celeiro, o morador deve confiar que o agricultor fará a entrega.
À medida que a sofisticação de uma transação cresce, de modo que a venda de milho ocorre em diferentes países, a necessidade de confiança aumenta. Ironicamente, ao mesmo tempo, à medida que a necessidade de confiança aumenta, a presença natural de confiança diminui — moradores de um vilarejo que se conhecem desde o nascimento são mais propensos a confiar uns nos outros do que estranhos que vivem em países separados.
Diante desse problema, a solução em que tradicionalmente confiamos é o intermediário — posso não confiar em você e você pode não confiar em mim, mas se ambos confiarmos em uma terceira pessoa, podemos usar essa confiança compartilhada no intermediário para facilitar nossa transação. Exemplos de tais intermediários incluem bancos, empresas de cartão de crédito internacionais e agentes de custódia. E na Web3? Lembra do papel que blockchain desempenha? Aumentar e possivelmente até substituir o papel do intermediário, criando confiança diretamente entre indivíduos por meio do uso de software de computador. Percebe que fundamentalmente a blockchain melhora a experiência do cliente através da garantia, transparente e imutável, da confiança?
E por último, o papel das experiências: a Web3, especialmente quando combinada com o metaverso, tem o potencial de aprimorar as experiências do usuário de maneiras que as tornam mais divertidas, mais relevantes, mais voltadas para a comunidade e mais imersivas. Um exemplo? Rexona sediou a primeira maratona do metaverso, oferecendo aos usuários a chance de personalizar seu avatar com wearables adaptáveis, como cadeiras de rodas.
Ou seja, de forma geral, listamos 5 entre os principais benefícios para o cliente no mundo da Web3:
- Privacidade e propriedade dos dados;
- Redução de atrito através da interoperabilidade;
- Relações menos transacionais através de comunidades;
- Transparências e confiança 100%;
- Experiências imersivas e ilimitadas.
É devido a essas vantagens claras para o cliente que empresas de todos os portes e setores precisam se abrir ao mundo da Web3, considerando que as tecnologias digitais de hoje ainda não chegam a tamanhos benefícios para os clientes — coisa que só a descentralização, as experiências imersívas e as comunidades autônomas consegue gerar.
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Este artigo foi produzido por Andrea Iorio, autor Best-Selling, palestrante, escritor sobre Transformação Digital, professor de MBA e colunista da MIT Technology Review Brasil.